quinta-feira, 12 de maio de 2022

As opiniões de Miguel Cruz sobre: Allan Thomas Scott: Le Marin Bandit, de Sarah Belmas; Scotland – Épisode 1, de Rodolphe, Leo e Marchal e Douze Bouteilles à la Mer, de Guillot, Richez e Guilloteau

 Aqui ficam as opiniões das três leituras desta semana de Miguel Cruz.




Allan Thomas Scott: Le Marin Bandit

Este comentário é dedicado exclusivamente aos tintinófilos, ou mais concretamente a todos aqueles que procuram todos os objetos que tenham uma ligação à obra de Hergé. Essencialmente, este comentário é uma mera curiosidade, atípica nas minhas “opiniões”.

Pois é… Allan Thomas Scott é, ou melhor, pretende ser, o malvado Allan das aventuras de Tintin. Sim, aquele que tantas dores de cabeça (e ressacas) causou ao Capitão Haddock, e que fez com que ele ainda hoje se questione se dorme com as barbas sobre ou sob os lençois.

Imaginando as dificuldades que a autora (Sarah Belmas) teve com a sociedade detentora dos direitos de Hergé, esta BD não é mais do que uma curiosa abordagem à vida desconhecida de Allan Thomas Scott, este marinheiro que acaba de sair da prisão e que sonha reentrar “nos bons caminhos” ao lado da sua mulher. 

No entanto, Allan que durante tantos anos foi homem de mão de diversos “maus” das aventuras de Tintin, tem um currículo que naturalmente o torna procurado por pessoas e organizações pouco recomendáveis.

E afinal, Allan tem uma consciência e uma vida interior que são afloradas nesta BD.

É uma BD de muito pequena dimensão, sem grande desenvolvimento da história, apesar de mais de 90 páginas, das personagens ou do contexto, formato quadrado. Os desenhos são muito interessantes, as referências à personagem de Tintin são muito evidentes.

Allan é um “mau” afinal não tão mau quanto isso… mmmm. Ok.

É uma obra com um grande interesse? Nem por isso, podia ser, mas é muito curta, apenas um “episódio”. Recomenda-se? Nem sim nem não, antes pelo contrário, como costumava dizer o meu tio Anatole! (estou a brincar, era mesmo o meu pai). Mas é uma curiosidade com uma ideia inovadora no universo Tintin. Edições Sépia, Coleção Zoom sur Hergé, de final de abril de 2022.




Scotland – Épisode 1

Kathy Austin é originária da Escócia, mas já não regressava às sua terra natal há muitos anos, como aliás sabemos, uma vez que os anteriores ciclos das suas aventuras fantásticas se passaram no Quénia (Kénya, Ciclo 1, 5 tomos), na Namíbia (Namibia, Ciclo 2, 5 tomos), e na Amazónia (Amazonie, Ciclo 3, 5 tomos).

Um pouco mais tarde ficamos ainda a saber que a sua recentemente defunta tia lhe deixou, em herança, a sua mansão, de que Kathy guarda boas recordações de infância.

Portanto, neste quarto ciclo de aventuras de Kathy Austin dos serviços de espionagem britânicos, nada de aventuras suadas na selva, encontros com extraterrestres, confrontações com fugitivos nazis ou embates com desagradáveis russos em contexto de guerra fria. Aparentemente… Nada de mais errado, seria conhecer mal Rodolphe e Leo, o já habitual duo de argumentistas (Leo foi o desenhador do primeiro ciclo). É que a tia de Kathy afinal morreu em circunstâncias misteriosas, a mansão ardeu pouco tempo antes da chegada da nossa heroína, há presenças na região cuja motivação não é evidente e algo de estranho se passa naquela zona. 

Trata-se, pois, de um novo arranque para uma aventura onde se cruzam crime, mistério e ficção científica, num território que permite a Bertrand Marchall (desenhador desde o segundo ciclo) uma conjugação de desenho e cor que permite bem retratar um ambiente opressivo, misterioso e por vezes fantasmagórico. 

Esta é uma série que venho acompanhando desde o seu início, tendo tido, reconheço, alguma dificuldade em me habituar à passagem de mão nos desenhos, de Leo para Marchall. No entanto, no ciclo Amazónia, Bertrand Marchall conseguiu já um equilíbrio interessante no seu desenho, adaptado a esta conjugação de aventura e ficção científica que é apanágio do duo de argumentista.

É uma série muito interessante, marcada também pelo facto de, apesar de passada em meados do século passado, pouco depois do fim da II Grande Guerra, a personagem principal ser uma mulher, espia no meio de espiões, mas recomendável apenas para aquelas e aqueles que gostem de ficção científica, ou melhor, que apreciem ficção científica como desenvolvimento de temática aparentemente clássica, enganadoramente tradicional e nostálgica.

O brasileiro Leo, muitas vezes com o seu amigo Rodolphe, construiu ao longo dos anos um universo consistente, coerente e humanista, com Aldebaran e séries subsequentes, Mermaid Project, Dexter London e este Kenya e ciclos subsequentes. Este primeiro volume de Scotland é mais um pouco da teia que os autores vão construindo, e que nos permite conhecer um pouco mais de Miss Austin, do seu passado e da origem do seu forte carácter.




Douze Bouteilles à la Mer

A editora francesa Bamboo, na sua coleção Grand Angle, tem vindo a publicar, desde 2014,  uma série denominada “Un Grand Bougogne Oublié” (Um Grande Borgonha Esquecido). Um título, uma série, um tema adequado para uma editora francesa: vinho, mais concretamente vinho na região da Borgonha, portanto, no centro leste da França, com Dijon como capital.

São três os autores desta série: Manu Guillot, Hervé Richez e Boris Guilloteau. Os primeiros escrevem os argumentos e o último presenteia-nos com o seu desenho. Richez é um argumentista de BD já com provas dadas (Lembro-me por exemplo da série Sam Lawry), e um apaixonado pelo vinho da Borgonha (já tinha tido uma série de humor sobre vinho - de várias regiões de França). Manu Guillot, argumentista desta série, é mais do que isso, o conselheiro técnico, pois é produtor de vinho biológico, foi sommelier em Londres, e conhece bem o meio e as pessoas que nele se movimentam. Guilloteau, bem mais novo, foi arrastado para esta aventura, com um desenho muito elegante e muito claro (praticamente sempre a preto e branco, exceto na descrição de sensações, cheiros e aromas) ao serviço de histórias longas – mais de 90 páginas – e com alguma complexidade técnica.

Foram editados até agora três volumes, o último dos quais muito recentemente em 2022. Em que consistem as histórias? A minha vontade é responder: vinho, vinho, vinho… e mais vinho. Mas, se é verdade que estes livros “se bebem bem”, as histórias são contruídas a partir da descoberta, num contexto bem descrito de produtores, distribuidores, sociedades, etc., de garrafas antigas que contêm um néctar maravilhoso, mas de proveniência, ano, produção desconhecida. E cada um dos volumes contém as mais diversas peripécias – especialmente de um muito extrovertido produtor de vinho – em torno da investigação para descobrir a identidade daquele vinho.

As histórias são interessantes, o desenho ajuda bastante a lisibilidade destas aventuras, mas muitas vezes o detalhe técnico – que não é fácil seguir para um não iniciado, mero bebedor amador, como eu – sobrepõe-se à envolvência das emoções, o que cria alguns momentos de superficialidade. No entanto, gostei bastante de ler, e nalguns momentos cheguei mesmo a ficar angustiado com tanto álcool.

Ora com três volumes que, como já perceberam, são muito direcionados para aficionados e especialistas (e alguns curiosos), porque razão perco o meu tempo a recomendar esta BD aqui? Porque o terceiro volume envolve Portugal, e não poderia deixar de o assinalar. Efetivamente, o tomo publicado este ano, e cujo nome dá título a esta “opinião”, envolve uma oferta de vinho da Madeira a Napoleão, então no exílio, que, coitado, não teve oportunidade de beber o vinho em causa. 

No processo de investigação, uma viagem à Madeira, passando pelo aeroporto de Lisboa (não que o reconhecesse pelo desenho), um cancelamento da viagem com destino ao Funchal por causa do mau tempo, uma aterragem “à rasquinha” no dia seguinte, e uma visita a vários locais e encontro com alguns personagens da ilha e do instituto do vinho da Madeira fazem parte das pranchas 62 a 67 e 70 a 83. É uma curiosidade que não quis deixar de destacar, apesar de que, como seria de esperar não existe uma verdadeira valorização do vinho português. Enfim, num livro de origem francesa tal não seria de esperar, mas tenho muito a agradecer a um amigo meu francês que me chamou a atenção para as páginas portuguesas neste terceiro volume: Un Grand Merci.




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