sexta-feira, 27 de maio de 2022

Já lemos o último álbum da série Armazém Central, que vai ser lançado amanhã no Festival de Beja


E eis-nos chegados ao fim desta maravilhosa história. Tendo em conta que amanhã, a convite da Arte de Autor, vamos apresentar o último álbum da série "Armazém Central", no Festival de Beja, já tivemos o privilégio de o ler. E se tivéssemos que o resumir em poucas palavras diríamos apenas "uma obra de arte". Não é um exagero da nossa parte, pois se já gostávamos desta série, temos que vos dizer que a série encerra com chave de ouro, pois este último álbum duplo, com o oitavo e nono capítulo, é sem dúvida o melhor de todos. 

Depois de Marie (1), Serge (2), Os homens (3), Confissões (4), Montreal (5), Ernest Latulippe (6) e Charleston (7), as últimas partes da história têm como títulos, "As mulheres" e "Notre-Dame-des-Lacs".

Começamos por relembrar que o primeiro volume se inicia em 1926, na aldeia de Notre-Dame-des-Lacs, no Quebeque, Canadá. Uma aldeia parada no tempo, retrógada, onde cada mudança era mal vista e tida como uma ameaça. No entanto, a morte de Félix Ducharme, dono do armazém e centro da pequena povoação, vai traduzir-se na ignição da transformação da aldeia. Este acontecimento vai ditar várias alterações ao dia a dia de todos e quando a jovem viúva Marie decide tomar as rédeas do negócio e ter a coragem de conduzir o velho camião do marido, a sua atitude por um lado é um alívio para a gente da aldeia, por verem garantido o fornecimento de bens necessários, mas por outro vai ser alvo de comentários desdenhosos pelas alcoviteiras, tendo em conta que não era comum uma mulher conduzir nos anos 20. Outros acontecimentos, como a mudança do padre, em que o actual é muito mais moderno e liberal e a chegada de um forasteiro, que por ali vai permanecer, são mais duas peças fundamentais para a metamorfose da aldeia.

A cada álbum que fomos lendo, fomos notando a mudança a acontecer naquela aldeia e com cada uma das personagens. Mas neste último, é que nos damos conta que Notre-Dame-des-Lacs (passados dois anos na história) já não é a mesma aldeia que conhecemos no primeiro capítulo e foi virada de pernas para o ar. Agora é que apercebemos que se deu uma metamorfose e que os personagens conheceram enfim a liberdade e a felicidade. Ou melhor, aprenderam que cada pessoa pode lutar por aquilo que a faz feliz. E ainda, no nosso caso, apenas neste último nos damos conta da importância do narrador da história e na própria mudança que vai acontecer no seu discurso, que no fundo se funde com a alma da aldeia, sendo ele próprio uma alma, o falecido Félix.

Que bela lição e que bela mensagem nos são dadas pelos autores. Toda a história é um hino à tolerância, à liberdade e ao amor. No ser humano há sempre uma tendência para julgar quem pensa ou age de forma diferente e esta série leva seguramente o leitor a reflectir sobre estas matérias. Régis Loisel e Jean-Louis Tripp dedicaram vários anos ao "Armazém Central" e conseguiram, com talento e inteligência, oferecer-nos uma história fantástica que nos fala sem pudor da tristeza, da insegurança, da coragem, do preconceito, da inveja, da igualdade, do amor, da emancipação feminina, da velhice e da aceitação.

Neste livro, mais do que nenhum outro da série, percebemos que todos podemos ser felizes, quer estejamos mais gordos, quer sejamos mais baixos, quer já não sejamos novos, no fundo, que a felicidade está ao alcance de todos, independentemente do que quer que seja.

Uma palavra para o trabalho a quatro mãos dos autores. Tanto ao nível do argumento como do desenho. Uma dupla fantástica! Inicialmente haviam previsto que a série seria apenas de três livros e afinal o curso da história levou-os mais além. Os desenhos, que são começados por Loisel e concluídos por Tripp, transbordam de ternura e expressividade e ajudam a que toda a história seja absolutamente comovente.

Este último volume é enriquecido com um bónus extraordinário, sob a forma de créditos finais, tratado como um álbum de fotografias reunindo todos os actores desta inesquecível e tão cativante tribo e dando-nos a conhecer o que aconteceu nos anos seguintes ao final da história. 

Sem mais demoras, aqui fica a sinopse dos dois capítulos:

As mulheres

Novamente Inverno. Depois do Charleston, trazido de Montreal por Marie, ter varrido Notre-Dame-des-Lacs como uma fúria, os homens regressaram finalmente à floresta para trabalhar durante toda a estação fria. A calma pode finalmente regressar à aldeia. Mas nada diz que será por muito tempo... Porque Marie, depois de ter partilhado a sua cama com Ernest e o seu irmão Mathurin, descobre que está grávida, sem saber realmente quem é o pai - ela que sempre se achou estéril! Entretanto, Réjean, o jovem padre da aldeia, refugiou-se em casa de Noël, está tão perturbado pelas suas questões íntimas e existenciais que já não é capaz de desempenhar o seu serviço religioso. Os fanáticos da aldeia entram em pânico! Até se fala em ir ao bispo! Aonde é que tudo isto vai levar? Acabou-se o presidente da câmara, acabaram-se os sacerdotes, as danças selvagens, os amantes que vivem em pecado e os filhos sem pai... Não será isto simplesmente o sinal de uma maldição desencadeada em Notre-Dame-des-Lacs?

Notre-Dame-des-Lacs

Já não há presidente da câmara em Notre-Dame-des-Lacs, quase não há padre, Marie grávida de um pai que ninguém conhece, e as mulheres da aldeia num frenesim de compras como nunca antes se viu... O mundo foi para o inferno, lá em baixo na zona rural do Quebeque? É este o trabalho do diabo, o início do fim?

Não, claro que não, porque o que permeia cada imagem, cada cena, cada diálogo e cada personagem neste espectacular desfecho sob a forma de uma apoteose alegre é a felicidade! Loisel e Tripp tiveram obviamente um grande prazer em concretizar o destino de cada um dos protagonistas desta história com um humor irresistível, ao longo de alguns meses em 1928, quando passamos da neve profunda para o calor do Verão, tendo como pano de fundo o regresso dos homens da sua campanha. Aprendemos, entre muitas outras surpresas, o que acontece ao barco do velho Noël, o que atormentou tanto o jovem padre Réjean, ou o que esteve por detrás da inesperada gravidez de Marie... E a aldeia de Notre-Dame-des-Lacs, no final deste final febril, celebrado como deveria ser por uma grande fogueira do Dia de Verão, entra por sua vez na modernidade.










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