Hey Djo!
O desenho desta BD é simples e com imperfeições estilísticas, enquadramentos muito próximos, quadradinhos de formato pequeno. A própria BD tem um formato reduzido e espraia-se por quase 170 páginas.
O desenho não é particularmente atraente, e esta BD quase que me passou despercebida. E isso teria sido pena porque embora tenha uma premissa de base muito específica, é uma obra muito interessante, e o argumento e os diálogos baseados num quotidiano sem floreados sustentam muito bem a leitura e a simplicidade do desenho.
Djo tem 13 anos (“quase 14”) e é filho de um camionista belga. A sua mãe “forçou” a situação em que, no seu período de férias vai acompanhar o pai durante duas semanas, para se conhecerem melhor, passarem mais tempo juntos, e para que Djo possa conhecer a realidade do trabalho de camionista, que leva o seu pai a passar tanto tempo ausente.
A relação entre o adolescente em afirmação e o seu pai de convicções bem estabelecidas é naturalmente difícil. Se é verdade que a realidade da vida de camionista atiça a curiosidade de Djo, e que muitos dos encontros que vão fazendo servem para um melhor conhecimento mútuo bem como para reforçar laços entre ambos, algumas personagens vão ser marcantes para o jovem, para a afirmação do seu caráter, e para o seu crescimento pessoal. Aqui o destaque vai para o momento em que decidem dar boleia a Amaury “homem livre”, que saiu de casa atenta a relação difícil com os seus pais, e também para o encontro com duas jovens prostitutas.
Ambiente e descarbonização, migrações e insegurança, cadeia logística e crescimento económico, o papel da mulher numa profissão maioritariamente masculina: tudo isto é aflorado de maneira inteligente e não dogmática, aproveitando o olhar de um adolescente belga. A história é fluída, as surpresas são algumas, as aventuras são feitas à medida que os kms vão sendo percorridos. Alguns riscos, mas nada acontece de muito desagradável.
Para além disso, nós aproveitamos a viagem para melhor conhecer a realidade (alguma realidade) desta profissão no centro da Europa.
Editado pela Gallimard, com argumento da polaca Marzena Sowa e desenho do belga Geoffrey Delinte, esta BD constitui, efetivamente, uma surpresa muito agradável. Atenção, não confundir Djo com Joe.
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Un Sombre Manteau
Um livro muito esperado do espanhol Jaime Martín, Un Sombre Manteau (Um Manto Escuro), é um One Shot de cerca de 100 pranchas, intenso e amargo.
Jaime Martín é dono de um traço seguro e elegante, que se tem vindo a complexificar e a afastar da linha clara, mas que dá algumas ideias da mesma, arrumação clássica de páginas, mas uma excelente profundidade de enquadramentos, e variações de perspetivas que tornam a narrativa muito dinâmica, facilmente percetível, e os ambientes profundos e carregados de intensidade dramática.
Estamos na Espanha do Século XIX, nos Pirenéus, e a narrativa é desenhada no envolvimento entre habitantes “da montanha” e a população de uma pequena vila um pouco “mais abaixo”.
O início da BD apresenta-nos Mara, uma curandeira que percorre caminhos difíceis e com risco para entregar os seus remédios e mezinhas, e para ajudar pessoas e animais. Já com uma certa idade e doente, vai pensando no futuro da sua atividade, no seu, e no dos que lhe testemunham amizade. Tratada com desconfiança por alguns – chega mesmo a ser tratada de feiticeira – vê os seus terrenos e a sua casa serem alvo de cobiça.
A vida é dura e rude, as invejas, maledicências e ambições são comuns e criam uma tensão permanente, o pároco local atiça rancores e induz comportamentos.
O rame-rame local é perturbado por dois acontecimentos quase simultâneos: um primeiro, a chegada às terras de Mara de uma jovem ruiva, fugida, de passado desconhecido, mas que se saberá, é procurada pela polícia. Permanentemente calada (passando por muda) e inquietante, terá um papel importante no desenrolar desta história profunda e consistente com a época descrita.
O segundo é a perceção de que alguns animais terão contraído raiva. Pasteur ainda não tinha inventado a cura, portanto a perturbação no sustento e na vida daquelas pessoas constitui um drama significativo.
A tensão é palpável desde o início da narrativa, e vai evoluindo num crescendo angustiante (estamos mesmo a ver onde cada olhar, cada palavra, cada infeliz ação nos vai levar) até à explosão final.
Editado pela Dupuis, na sua reputada coleção Aire Libre, esta BD beneficia ainda de um tratamento de cores muito cuidado, minuciosamente pensado ao serviço da intensificação do drama e da evidenciação dos pontos de esperança. Percebe-se que o autor tenha estado envolvido nesta obra mais de dois anos e meio, como refere nas notas iniciais.
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