segunda-feira, 19 de maio de 2025

A opinião de Miguel Cruz sobre "Os Filhos de Baba Yaga", de Luís Louro - edição A Seita e Arte de Autor

 


Os Filhos de Baba Yaga

Os Filhos de Baba Yaga ou uma nova reinvenção de Luis Louro sendo Luis Louro. Complicado? Não creio quando verificamos que Luis Louro, no ano em que celebra 40 anos de carreira (ápre, e que carreira!), realiza uma BD em que se reconhece o desenho – mesmo assim, mais “sério, menos humorista” que o habitual – em que se reconhece, nalgumas passagens, um sentido de humor sempre atento ao que o rodeia, bem como  alguns dos habituais jogos de palavras, o seu estilo de escrita, as suas folhas a cair, o seu lettering (ok, e uma tradicional libertação de gás humano), mas em que o tipo de história é diferente do que realizou anteriormente. Luis Louro arrisca e ganha.

Período: II Guerra Mundial; Local: União Soviética; Contexto: Operação Barbarossa; Personagens centrais: um conjunto de miúdos, com fome e com medo; Eixo da Narrativa: Numa terra desolada, num contexto de todos os perigos, o objetivo é fazer tudo o que seja necessário para sobreviver. TUDO. A guerra deixa marcas, e nalguns casos a marca principal é de descobrirmos de que somos capazes. É por isso que no fim da primeira prancha encontramos a sábia afirmação: “..esta é a nossa, e deixem que vos diga… É uma história que nunca devia ter acontecido”.

Vassili, Yuri, Volodya, Vadim, Yevgeny, a “doce e inocente” Tatiana, Oleg e os gémeos Nikita e Alexei (isto dos gémeos vai dar história, dirá o mais distraído leitor). São estes os “sobreviventes” e o centro da narrativa. Tatiana é o barómetro do grupo, ao notoriamente ir perdendo a sua inocência e a sua doçura. Efetivamente, o grupo vai ganhando experiência e passando por diversas experiências que lhes ficam marcadas na pele, e acaba subindo e subindo a parada em termos de risco, em termos de perda de humanidade. Curiosamente ou talvez não, Luís Louro centra esse risco, essa dinâmica de perda de humanidade na dinâmica interna de um grupo heterogéneo, com visões diferentes, estratégias diferentes, e métodos de afirmação distintos. História dura, portanto, mesmo que o autor pontue a sua narrativa de elementos de humor.

Uma narrativa adulta, inteligentemente desenvolvida, num crescente de acontecimentos maioritariamente inesperados embora, desde muito cedo se perceba que estamos perante um caminho sem retorno.

A edição desta BD, com lombada de tela, letras nela gravadas a dourado, uma capa magistral, papel de qualidade, um dossier no final, é merecedora de referência e um reconhecimento à qualidade do trabalho do autor. Mas o destaque principal vai para o trabalho gráfico de Luís Louro. Há pranchas de tirar o fôlego a qualquer um/a! E o desafio não seria fácil, com fundos de neve, fundos de fogo, em que o autor não deixa nada ao acaso, e desenvolve as cores com mestria. A atenção ao detalhe, ao realismo – os tanques, os aviões, as fardas, os sinais, avisos, a escrita brincado muitas vezes com o cirílico, o cuidado no uso apropriado de palavras em alemão ou em russo – é de destacar, e constitui um sinal do respeito de Luís Louro pelo seu trabalho e, principalmente, pelos/as seus leitores/as.

É difícil escrever sobre um trabalho do Luís Louro, pois, apesar dos diferentes registos, ele habituou-nos a pensar ser simples um trabalho de qualidade e com coragem. E habituou-nos à sua presença, razão pela qual conta muitos e muitas amigos/as entre os seus leitores.  Esta obra surpreende todos, e às vezes fico a pensar onde vai buscar a inspiração. Leitura recomendada, portanto, numa co-edição A Seita e Arte de Autor. Ter edições em língua estrangeira do mais prolífico autor português de Banda Desenhada é algo a que eu, habitual leitor de Banda Desenhada em Francês, gostaria muito de assistir com brevidade: pelo autor, pelos nossos editores, pela Banda Desenhada em Português!






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