Os Filhos de Baba Yaga
Os Filhos de Baba
Yaga ou uma nova reinvenção de Luis Louro sendo Luis Louro. Complicado? Não
creio quando verificamos que Luis Louro, no ano em que celebra 40 anos de
carreira (ápre, e que carreira!), realiza uma BD em que se reconhece o desenho
– mesmo assim, mais “sério, menos humorista” que o habitual – em que se
reconhece, nalgumas passagens, um sentido de humor sempre atento ao que o
rodeia, bem como alguns dos habituais
jogos de palavras, o seu estilo de escrita, as suas folhas a cair, o seu
lettering (ok, e uma tradicional libertação de gás humano), mas em que o tipo
de história é diferente do que realizou anteriormente. Luis Louro arrisca e
ganha.
Período: II Guerra
Mundial; Local: União Soviética; Contexto: Operação Barbarossa; Personagens
centrais: um conjunto de miúdos, com fome e com medo; Eixo da Narrativa: Numa
terra desolada, num contexto de todos os perigos, o objetivo é fazer tudo o que
seja necessário para sobreviver. TUDO. A guerra deixa marcas, e nalguns casos a
marca principal é de descobrirmos de que somos capazes. É por isso que no fim
da primeira prancha encontramos a sábia afirmação: “..esta é a nossa, e deixem
que vos diga… É uma história que nunca devia ter acontecido”.
Vassili, Yuri,
Volodya, Vadim, Yevgeny, a “doce e inocente” Tatiana, Oleg e os gémeos Nikita e
Alexei (isto dos gémeos vai dar história, dirá o mais distraído leitor). São
estes os “sobreviventes” e o centro da narrativa. Tatiana é o barómetro do
grupo, ao notoriamente ir perdendo a sua inocência e a sua doçura.
Efetivamente, o grupo vai ganhando experiência e passando por diversas
experiências que lhes ficam marcadas na pele, e acaba subindo e subindo a
parada em termos de risco, em termos de perda de humanidade. Curiosamente ou
talvez não, Luís Louro centra esse risco, essa dinâmica de perda de humanidade
na dinâmica interna de um grupo heterogéneo, com visões diferentes, estratégias
diferentes, e métodos de afirmação distintos. História dura, portanto, mesmo
que o autor pontue a sua narrativa de elementos de humor.
Uma narrativa
adulta, inteligentemente desenvolvida, num crescente de acontecimentos
maioritariamente inesperados embora, desde muito cedo se perceba que estamos
perante um caminho sem retorno.
A edição desta BD,
com lombada de tela, letras nela gravadas a dourado, uma capa magistral, papel
de qualidade, um dossier no final, é merecedora de referência e um
reconhecimento à qualidade do trabalho do autor. Mas o destaque principal vai
para o trabalho gráfico de Luís Louro. Há pranchas de tirar o fôlego a qualquer
um/a! E o desafio não seria fácil, com fundos de neve, fundos de fogo, em que o
autor não deixa nada ao acaso, e desenvolve as cores com mestria. A atenção ao
detalhe, ao realismo – os tanques, os aviões, as fardas, os sinais, avisos, a
escrita brincado muitas vezes com o cirílico, o cuidado no uso apropriado de
palavras em alemão ou em russo – é de destacar, e constitui um sinal do
respeito de Luís Louro pelo seu trabalho e, principalmente, pelos/as seus
leitores/as.
É difícil escrever sobre um trabalho do Luís Louro, pois, apesar dos diferentes registos, ele habituou-nos a pensar ser simples um trabalho de qualidade e com coragem. E habituou-nos à sua presença, razão pela qual conta muitos e muitas amigos/as entre os seus leitores. Esta obra surpreende todos, e às vezes fico a pensar onde vai buscar a inspiração. Leitura recomendada, portanto, numa co-edição A Seita e Arte de Autor. Ter edições em língua estrangeira do mais prolífico autor português de Banda Desenhada é algo a que eu, habitual leitor de Banda Desenhada em Francês, gostaria muito de assistir com brevidade: pelo autor, pelos nossos editores, pela Banda Desenhada em Português!
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