L’Or du Spectre
O duo Matz (argumento) e Philippe Xavier (desenho) encontraram uma fórmula de sucesso. Com Tango – também editado em português – vão já no oitavo volume, sempre com um sucesso relevante, apoiado num duo de aventureiros desenrascados, que deambula numa embarcação propriedade de um deles (porque será que me lembrei dos nomes de Bernard e Barney? – será que o/a leitor/a saberá a quem me estou a referir?). Em 2022 publicaram um belo one shot com o título de “Le Serpent et le Coyote”, passado essencialmente num espaço desértico dos Estados Unidos, aventura com perseguição, investigação do FBI, personagens profissionais e duras. Agora temos L’or du Spectre, nova aventura em espaços agrestes, mistura de road movie com aventura policial plena de sobressaltos e volte-faces, com caça ao tesouro – o X marca o local.
Estamos no Novo México de 1970 e Chuck, acabadinho de ser libertado pelas autoridades federais, vai reencontrar Kat, a sua companheira, e juntos vão procurar recuperar o dinheiro que Chuck teve oportunidade de esconder antes de ser apanhado nas malhas da lei, cerca de 5 anos antes. O esconderijo está localizado numa pequena vila abandonada no meio de nenhures, e a sua recuperação não será fácil, pois o ambiente mudou e as referências são pouco exatas. Aliás pouco após a chegada ao local, Chuck afirma eufemisticamente, depois de se extenuar a cavar buracos no solo: “Temos um problema”. Como sabemos, tal afirmação é o prenúncio de uma “catrefada” deles.
Como seria de esperar – a esse nível, nada que não fosse antecipável – diferentes personagens aguardavam este momento para tentar deitar as suas garras à riqueza escondida, afinal a cobiça é um sentimento comum. Nada corre como previsto, e até um personagem inesperado, de motivações desconhecidas, se vai meter no meio das jogadas de antecipação, nesta aventura em que nada é certo, e em que esperamos o pior de todas as personagens.
Se é bem verdade que a base da narrativa é conhecida, desde as histórias de piratas e caças ao tesouro dos antigos romances de piratas e caça e espada, a teia narrativa, caracterização das personagens e relações causa-efeito são bem desenvolvidas com mão de mestre pelo bem conhecido Matz.
Quanto aos desenhos, Xavier está, como se costuma dizer “em grande”. Variações de plano, desenhos de espaços do deserto, detalhes - desde as viaturas às roupas, passando por espaços decadentes - reações das personagens, tudo é de uma grande qualidade, num desenho realista que, nalguns momentos nos faz lembrar o William Vance de XIII ou de Bruno Brazil.
Mais um one shot, mais uma centena de páginas de entretenimento puro e de qualidade. Editado pela Lombard na sua coleção Signé. Uma bela capa, e se é verdade que a moda tem momentos de revivalismo, aquelas calcinhas à boca de sino pretendem ser, efetivamente, da década de 70. Já o título faz-me lembrar, curiosamente ou talvez não, um par de episódios de Blueberry. Nada se perde, tudo se transforma.
Les Papillons ne Meurent pas de Vieillesse
Recentemente, falei aqui sobre (mais do que) uma BD de Matz, sim, o argumentista, por exemplo de “O assassino” ou de “Tango” ambos publicados em Portugal. Prolífico autor, mestre da narrativa, em particular da narrativa policial e/ou de aventuras.
Frederic Bézian é um desenhador francês, cujos livros nunca foram publicados na nossa língua, apesar de ter várias obras interessantíssimas como desenhador. Dono de um estilo “fantástico” com traço “exagerado” e “exuberante”, centrado no movimento, carregado, sombrio e contemporâneo, tem dado primazia a bandas desenhadas onde domina a critica social.
Em “As borboletas não morrem de velhice” este duo apresenta-nos uma narrativa estranha e estranhamente envolvente, de um entomologista (Camille Simon) que, pela primeira vez, se vai deslocar à selva amazónica após ter recebido de um seu fornecedor local (Candido) um espécime que deveria estar extinto.
Camille Simon após publicar, com o apoio da sua assistente (Geraldine) um artigo que surpreende a comunidade científica, a sua reputação está colocada em causa, o que o leva a deslocar-se ao encontro de Candido, acompanhado de Geraldine.
O essencial da BD consiste nos périplos e buscas pela floresta, o que nos permite aprofundar o conhecimento das três interessantes personagens, sonhadora, prática, cautelosa. Pelo meio, os esforços para criação de uma área protegida para a defesa da borboleta levanta inúmeros problemas na relação com corporações que exploram a selva, e acabam por levar o trio a envolver-se num verdadeiro combate pela sobrevivência entre locais e mercenários.
Uma história plena de critica social, de exploração da alma humana, de aventura e sobrevivência, de persistência e inteligência. Um desenho notável, exuberante e inquietante, maioritariamente a preto, branco e cinzento, com apontamentos de cor, especialmente nas borboletas, aparente centro da narrativa e retratadas com rara beleza.
Uma leitura algo desconcertante, mas entusiasmante. Mais de 70 páginas, mas a ler de um “trago”, um mergulho numa selva amazónica exuberante, perigosa, e excelentemente desenhada, personagem dominante desta BD.
Não é divertido (só nalguns diálogos), nem heroico (só por breves momentos, e mesmo assim não sem consequências), nem romântico (enfim, por breves momentos, muito breves mesmo), nem dominado pela justiça poética (talvez breves vislumbres de justiça, mas pouco poética, mais de palavrões). Mas descansem, fica já aqui o spoiler: as nossas três personagens centrais sobrevivem a esta aventura desgastante e cara!
Pela minha parte, direi que para além de uma BD de qualidade, constitui uma leitura diferente do habitual, e a diversidade de narrativas é sempre bem-vinda, para não nos fartarmos! Editado pela Casterman.