Les Jardins Invisibles
Quando vemos um filme, ouvimos uma música, escrutinamos um quadro, lemos um livro ou uma BD e ele/ela nos toca, nos emociona, devemos assinalá-lo com veemência. Não é habitual, mesmo que possa não ser acontecimento raro, e certamente é algo que alegra o “nosso dia”. Com veemência, então, foi o que me aconteceu ao ler esta mais recente BD de Alfred. Fui conquistado pela candura, emocionado pela verdade, saciado pela qualidade do trabalho. Não é, de longe, a primeira BD que me causa este efeito. Não será certamente a última, mas é precioso!
Alfred, de seu verdadeiro nome Lionel Papagalli, tem ascendência italiana (o nome traduz, obviamente a sua nacionalidade francesa e a sua família italiana), e o seu trabalho – com algumas traduções para português – tem-se centrado em histórias de juventude passadas no Sul da Itália, verdadeiros retratos de um país, de pobreza, de desigualdades, de corrupção, de luta por ascensão social, mas também de romance e de inesperado.
Esta sua última BD retrata episódios da sua vida, em particular episódios da sua juventude, e passados num período em que decidiu mudar-se, com a sua mulher e filha recém nascida (inicialmente) para Itália, mais concretamente para Veneza.
Os medos, os sabores, as sensações, as nostalgias, as saudades, os arrependimentos, os prazeres. A descoberta de que as memórias são falíveis, e que afinal a nossa história com os outros e através dos outros, condiciona mais do que pensávamos quem fomos, quem somos e em quem nos tornámos. A inevitável descoberta de que temos mais em comum com os nossos familiares do que por vezes pensamos. A ternura.
O desenho é, naturalmente, também ele de uma enorme candura e aparente simplicidade, centrado, verdadeiro(s) caderno(s) de notas, naquilo que se procura transmitir em cada uma das “cenas”, sem qualquer ordem cronológica.
E é isto! Não consigo transmitir mais do que estas breves linhas. Gostei bastante, recomendo, como referi, com veemência, e espero sinceramente que esta BD editada pela Delcourt seja traduzida para português, à semelhança de algumas das sua anteriores BD. Sei ainda que Alfred planeia num futuro muito distante, voltar a mudar-se de França para Itália. Monsieur Alfred: Grazie!
Première Dame
Tronchet é um daqueles autores que, já com uma bibliografia enorme, deixa marcas, quer pelo estilo de desenho, humorista e caricatural, quer pela inteligência e profundidade dos seus argumentos. Em Portugal, se não estou em erro, apenas tivemos editada uma BD em que assegurou o desenho: Lá em África (editado pela Asa).
Peyraud, embora mais jovem, possui também uma quantidade enorme de BD’s editadas. Lembro-me, em particular de uma pequena BD adquirida há muitos anos, creio que nos finais do século passado, muito agradável e de caráter biográfico, com desenho caricatural e humorístico, editada pela desaparecida Comédie Illustré. Creio que Peyraud não tem nada editado em português, mas corrijam-me, por favor, se estiver enganado.
Tronchet (argumento) e Peyraud (desenho) juntaram-se para a realização de um calhamaço de mais de 250 páginas que, achei eu, quando vi, no início deste ano, o anúncio da edição para data mesmo “encostadinha” ao festival de Angoulême. Meti na cabeça que “esta BD era boa”, o que é sempre um risco, malditas expectativas. Não é “boa” é “ótima”, divertida, bem-disposta, inteligente, oportuna e de agradável leitura.
Victoria Coraly é uma atriz de filmes independentes e geralmente contestatários que acaba de ser premiada. Thierry Langlois é um Presidente da República francesa conservador, em que da de popularidade, com uma relação difícil com a sua mãe que o pretere sempre em relação ao seu irmão, e com uma ameaça pendente na publicação das memórias da sua ex-mulher. Nada podia afastar mais estas duas personagens. Victoria é envolvida no tema dos imigrantes, tal como o seu habitual realizador, e o seu ex-marido, com quem se encontra nas entregas e recolhas do seu filho. Langlois, com acessos coléricos frequentes (destruidores de telemóveis) preocupa-se com a sus popularidade, particularmente junto da sua mãe e tem uma relação difícil, quer com um ministro do interior um pouco “fascistoide”, quer com a sua equipa de imagem. A questão é que as duas personagens acabam por se encontrar quase ocasionalmente, mas a “faísca” é evidente desde o primeiro momento. As peripécias são evidentes, a comunicação social acompanha o caso, a relação é usada a favor e contra a figura do Presidente que, por sua vez adora o filho de Victoria. Durante um período, até perto das eleições, Victoria transforma-se, com impacto, a primeira-dama de França. E, surpreendentemente, os dois acabam por ser candidatos oponentes para as eleições!
Divertida, plena de crítica social e de análise mordaz dos bastidores da política, esta é uma BD não apenas de leitura agradável, mas em que se percebe a cumplicidade dos autores e o quanto estes se divertiram. Tudo “funciona” bem. Claro que há muitas especificidades da realidade francesa e “piscares de olhos” a episódios e personagens da política daquele país. Mas a leitura recomenda-se. Editado pela Glénat.