segunda-feira, 29 de agosto de 2022

A opinião de Miguel Cruz sobre: "La Fortune des Winczlav 2 – Tom & Lisa 1910", de Van Hamme e Berthet e "Mortel Imprévu", de Dominique Monféry




La Fortune des Winczlav – Tom & Lisa 1910

No ano passado, a editora Dupuis deu início à publicação de uma nova série, neste caso uma espécie de prequela de uma das suas galinhas dos ovos de ouro: Largo Winch. Como sabemos, nos primeiros tomos daquela série de grande sucesso (publicados no início da década de 90 do século passado), Largo é o herdeiro de uma enorme fortuna, e de um poderoso grupo de empresas. Com esta nova série - La Fortune des Winczlav - o objetivo é conhecer de onde vem essa fortuna.

A intenção de aproveitamento da marca Largo Winch por parte da Dupuis é óbvia. A grande questão é se tal é feito com qualidade. E para esta série foram escolhidos Jean Van Hamme, um dos históricos da BD franco-belga (Thorgal, XIII, Wayne Shelton, Rani, Lers Maitres de L’Orge, etc) e argumentista da série original, e Berthet, dono de um excelente desenho com características únicas, que em português conhecemos com O Detetive de Hollywood, Cães da Pradaria, Cor de Café e também XIII Mystery. A aposta não foi pequena.

Para uma série prevista em três tomos, diria que a aposta está a ser ganha, com a publicação dos dois primeiros tomos, o segundo dos quais muito recentemente. 

Os tomos são trabalhados enquanto saga familiar, com o primeiro a ter início em 1848 e a acompanhar a fuga do jovem Vanko Vinczlav do seu Montenegro natal. O segundo, e como o título indica, acompanha a família a partir de 1910, e já (essencialmente) em solo americano, mais concretamente em Oklahoma. Thomas Winczlav, neto de Vanko, centra-se na gestão (com muita ajuda) do negócio de Whiskey – e negócios associados – e a sua irmã Lisa acompanha a guerra na Europa. O primeiro acaba por descobrir uma vocação na área das finanças e do negócio bancário, e a segunda intervém ativamente na guerra, num papel reservado aos homens e conhece o célebre Barão Vermelho (como se pode ver na capa).

Quanto ao desenho, Berthet é um mestre, o desenho é muito bom, muito legível, as cenas são bem caracterizadas, as expressões são claras, as cenas de ação excelentes, as perspetivas são sempre muito “cinematográficas”. O único senão será talvez que uma ou outra personagem, sem que isso prejudique a leitura, são muito semelhantes.

Van Hamme apresenta-nos uma saga familiar, bem escrita, com uma estrutura tradicional, mas inúmeros elementos de surpresa. Nada é previsível, o que é sempre bom, e mesmo o “rebuscado” é transformado em credível.

Portanto, esta série e, particularmente este segundo tomo Tom & Lisa 1910, são muito interessantes e recomendáveis e – isto é sempre importante – deixam-nos com apetite para ler o terceiro e último tomo, que permitirá fazer a ligação à série principal Largo Winch.



Mortel Imprévu

Em outubro de cada ano (salvo razões pandémicas) realiza-se em França um Festival de Banda Desenhada (e da imagem projetada) que tem ganho alguma notoriedade (no que não é o único, mas nenhum com o destaque de Angoulême): o Festival de Banda Desenhada Quai des Bulles em Saint Malo. Já várias vezes “sonhei” por lá passar, se calhar por achar o nome engraçado: Cais dos Balões (de BD).

Para esse festival, o Jornal Ouest France realiza um concurso para atribuição de alguns prémios. Este ano, para o prémio principal estão nomeadas algumas obras de que já aqui falei, ou que foram mencionadas nesta página: “Celle Qui Parle” de Aricia Jaraba Abellan, “Monstres” de Barry Windsor-Smith, o único já editado em Portugal, “Le Poids des Héros” de David Sala. Para o prémio revelação o único já aqui mencionado é “Jazzman” de Jop.

Falemos hoje de um quarto livro do conjunto de 10 nomeados para o prémio de melhor álbum, que também me chamou a atenção: “Mortel Imprevu” de Dominique Monféry, um imprevisto (não mortal, desculpem a brincadeira) editado pela Rue de Sévres.

Edith Womble surge como personagem central nesta BD violenta que, apesar de se situar no período da selvagem corrida do ouro, é construída a partir da relação de um conjunto de homens com uma mulher de forte caráter. Tendo fugido de uma Londres opressiva e de um marido violento (o Dr. Womble), Edith encontra e apaixona-se por Hans, um carpinteiro que se dirige para o Klondike, e acabam por juntar os seus percursos. 

O dia a dia é duro, o ambiente é essencialmente masculino, e vai-se sentindo, essencialmente pelo evoluir da relação entre as personagens, e ao longo das páginas, uma angústia, sem se saber bem o que vai acabar por acontecer. Que sangue vai ser vertido é previsível, o desenvolvimento da história, dos traços de personalidade e escolhas das personagens não o são, de todo. Os momentos em que tudo se passa no espaço fechado e frio de uma cabana são geradores de ansiedade, e de uma enorme vontade de virar a página para perceber o que vai acontecer.

Os personagens e o contexto são rudes, razão pela qual esta BD é limitada nos diálogos, muitas vezes substituídos por narração, sendo a leitura das 96 páginas feita essencialmente através de silêncios e subentendidos. Para tal o desenho realista e elegante do autor é essencial. A relação desenho-narração é muito boa, e os desenhos são, para o meu gosto, excelentes, apesar de “secos” e duros, os enquadramentos são expressivos, e as sequências são construídas para nos criar o suspense e a angústia já referida.

Enfim, numa versão Doce: Bem Bom! Só conheço quatro das dez obras nomeadas, mas mesmo assim, já tenho pena do júri.

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