quinta-feira, 25 de agosto de 2022

As opiniões de Miguel Cruz estão de volta com três novos destaques!

As opiniões de Miguel Cruz estão de volta depois de uma férias bem merecidas e aqui ficam mais três leituras: Par Toutatis!; Jeunesse de Thorgal – Tomo 10: Sydönia e Ma vie Posthume. Boas leituras!


Par Toutatis!  

Acompanho muito infrequentemente as histórias de Lewis Trondheim na editora L’Association, tenho as BD “Mister O” (havia também o “Mister i”) e “A Mosca” (ambas publicadas em Portugal, Vitamina BD e Witloof, respetivamente) como muitas/os das/os leitoras/es, acompanho algumas séries com seu argumento, li alguns “Lapinot” e nunca fui particular fã da série Donjon.  

Mas quando alguém toca no universo daquela aldeia que resiste ao invasor, “levanto logo as orelhas”. E essa expressão é mesmo apropriada, porque se trata, na verdade, da sexta aventura do coelho Lapinot.

Pois bem, Lapinot acorda numa floresta desconhecida (como? porquê?), e é recebido pelos gritos de um guerreiro não gordo, mas forte, com calças às riscas que lhe chama Astérix. Lapinot tenta ignorá-lo, mas vai cair direitinho “nas mãos” de uma patrulha romana. Salvo, vai acordar numa aldeia gaulesa, a ser tratado por um druida que lhe dá a beber a poção mágica.

A partir daí, Lapinot Astérix vive o dia a dia da aldeia gaulesa, confirma que Assuranceturix é … basta! basta; confirma os perigos dos ataques piratas…enfim, para os próprios piratas, e delicia-se com um banquete, mas só no final.

Com o desenho próprio de Lewis Trondheim, muito caricatural, esta é uma brincadeira engraçada, em que com um humor muito próprio, o autor brinca com referências bem conhecidas, mas em que consegue não ultrapassar a fronteira que o separa de destruir a estrutura ou cânones da série de Uderzo e Goscinny. Ainda bem. Amanhã não será a véspera do dia em que o céu vai cair sobre a cabeça destes gauleses. De facto, o respeito pela série e pelo universo Astérix é notório. O importante para Trondheim é construir o seu humor a partir da vida do dia-a-dia da aldeia.

É uma BD de humor, bem conseguida, divertidinha, leitura rápida e agradável. Claro que, apesar do autocolante de “Este não é um Álbum de Astérix”, esta BD vai necessariamente chamar a atenção dos fãs da série, que são muitos, como sabemos. 

Estamos a chegar ao Verão editorial de BD, e por isso as novidades vão começar a escassear até setembro.





Jeunesse de Thorgal – Tomo 10: Sydönia

“Thorgal” foi uma das minhas séries de referência na década de 80 e 90 – conhecia-a na nossa revista Tintin. O seu grande sucesso justifica que tenha hoje já 39 tomos publicados (muitos deles traduzidos em diversas línguas)…na série principal. Várias séries satélite foram criadas já com uma década deste século decorrido, com o rótulo de “Os Mundos de Thorgal”. 

A “Juventude de Thorgal” foi uma delas, com início em 2013. “Kriss de Valnor” teve início em 2010, e terminou ao oitavo tomo em 2018. “Louve” (para quem não se recorde, nome da filha de Thorgal) começou em 2011 e terminou ao sétimo tomo em 2017. Tudo publicado pela Lombard.

A série “Jeunesse de Thorgal” continua, e acaba de ser publicado o seu décimo tomo, e é sobre esse, com desenho do russo Roman Surzhenko e argumento de Yann, que falarei um pouco hoje.

Confesso ser um grande fã e admirador da série “Thorgal” criada por Jean Van Hamme e por Rosinski (de que acaba de ser publicado em Portugal a excelente BD “A vingança do Conde Skarbek”, já de uma fase em que o autor aplicava cores diretas, em aguarela). Esta série constitui um marco para o que se veio a chamar Heroic Fantasy, e os seus primeiros 29 tomos são excecionais, com uma “exceção” que por preciosismo apenas posso classificar de bom. A partir daí, a qualidade tem sido variável, e tivemos mesmo um período (invariavelmente) mau.

A consequência da evolução de qualidade da série foi que, em determinada altura apostei antes em Jeunesse de Thorgal, naquela (habitualmente vã) tentativa de “manter viva” a experiência de leitura de uma série que nos marcou. E vários dos tomos têm muito boa qualidade, apesar de que chegamos à conclusão de que Thorgal, mesmo quando jovem, era muito adulto, ponderado, com bom senso, honesto, corajoso, grande estratega, bravo guerreiro, apaixonado por Aaricia…etc.  

O desenho de Surzhenko é muito bom, sem qualquer dúvida, e tem evoluído bem ao longo dos 10 tomos. O argumento “deixa-se ler” e acompanha-se bem, tem algumas reviravoltas interessantes, mas não acrescenta muito á serie, ao que já conhecemos.

Thorgal, que a única coisa que quer é voltar para junto de Aaricia (como habitualmente) acompanha Sveynn, que quer reclamar o trono do recentemente defunto rei Harald e que pensa que vai ser bem acolhido e que tudo vai ser simples. No entanto, Sydönia, a muito cruel filha do falecido rei, apesar de ainda criança, é guiada pelo espírito do seu pai, e pretende ascender ao trono. A consequência é a guerra entre os dois grupos, com o jovem Thorgal (que, claro, é contra esta guerra) a revelar-se o principal estratega de um dos lados.





Ma vie Posthume

A excelente BD “Pele de Homem” de Hubert e Zanzim está já à venda em Portugal, o que constitui uma excelente notícia. Por isso mesmo, não vou falar sobre ela aqui, até porque tive a oportunidade de a comentar na Revista JuveBêdê 83, de dezembro de 2020.

Resolvi, aproveitando uma recente edição (em francês) em versão integral, mencionar agora uma outra excelente BD dos mesmos autores: “Ma Vie Posthume” ou seja, a minha vida póstuma. Divertida, imaginativa, tratando de vários temas relevantes (como a especulação imobiliária, a pressão sobre idosos para que abandonem as suas em zonas “nobre”, o ambiente e a poluição), esta é uma BD fortemente recomendável, com argumento do malogrado Hubert.

Emma Ducet, viúva, leva uma vida triste depois da morte do seu marido, apesar do seu espírito forte, de um humor caustico e de uma aguda inteligência. Debaixo de muita pressão, inclusivamente da sua sobrinha, para vender a sua casa, Emma resiste, ainda e sempre “ao invasor”.

Um dia, em que procura os seus cigarros, escondidos nas alturas pela sua empregada, Emma cai e morre. Passado algum tempo, sem grande apetite, e estranhando algumas coisas, descobre efetivamente que está…morta! E pior, descobre que a sua morte nada teve a ver com a queda, mas que foi assassinada a tiro.

Emma continua a levar a sua vida mais ou menos normal, tendo de esconder alguns sinais de que está morta, nomeadamente a sua tez. A “calma olímpica” com que o faz é “notável”.

Um pouco mais tarde, durante uma visita ao cemitério, descobre que uma sua (mais ou menos) amiga e vizinha, se encontra na mesma vida de morta! Decide então investigar as causas para tal situação, e tentar perceber quem a assassinou, e qual a relação com a pressão imobiliária sobre a sua casa e, nesse contexto, com uma investigação que o seu marido estava a levar a cabo quando foi atropelado.

Entretanto, o assassino de Emma – e também da sua amiga Line – investe fortemente na tentativa de eliminar este problema de velhas senhoras demasiado curiosas. Daí para a frente a intriga envolve ação, descoberta de outros “mortos-vivos”, política e muito humor.

Para dar um exemplo, após um beijo de Charles (um outro “morto-vivo”):

Line: “Estás louco! Tenho oitenta e três anos! Enfim, tinha-os à data da minha morte, e isso já foi há bastante tempo!!!”.

Charles: “Tu tens uma ossatura sublime, Line. E uma tal ossatura não envelhece”.

Line: “Oh Charles”.

Comédia mórbida, portanto, Ma vie Posthume que trata, como já referi, vários temas é, em primeiro lugar, uma interessante história de amor, uma história de amizade e de vida em sociedade. As personagens são tão interessantes que nos ligamos a elas com a maior das facilidades e com um sorriso.

Completamente diferente de “Pele de Homem”, exceto no estilo de desenho, propositadamente imperfeito e necessariamente adequado ao tom “tresloucado” da história, esta BD é, também ela, uma aposta da editora Glénat, originalmente publicada em dois tomos, e agora em versão integral.

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