Petit Pays
Uma das BD que eu aguardava com as melhores expectativas, tratando-se da adaptação de um romance de sucesso de Gaël Faye.
Uma história sobre pessoas. Pessoas cuja vida é perturbada por uma guerra para a qual não encontram fundamento racional. Pessoas que não compreendem o porquê, mas que sentem os efeitos de um conflito profundo entre etnias: Tutsis e Hutus.
Gaby e Ana estão naquela idade em que os problemas parecem ser longínquos e alguns porquês se enfrentam com curiosidade distante. Além disso, só metade da sua ascendência é originária do Ruanda: a sua mãe. Mesmo vivendo num país vizinho, e frequentando a escola francesa, a família de sua mãe (de etnia tutsi) é motivo de preocupação. E mesmo na escola, as etnias e os seus diferendos cruzam-se e marcam os jovens.
A narrativa é tocante, o desenho é sensível. O centro da narrativa não é a guerra, mas sim o desenvolvimento de um jovem confrontado com os efeitos da guerra em vários planos do seu dia a dia. A perspetiva é a da criança, a esperança também. Mas a violência está presente nesta narrativa, de jovens confrontados com duras realidades de uma tragédia humana, com o sentimento de impotência face ao caos total.
A adaptação do romance é feita de forma impressionantemente fluída, credível, plena de sentimentos. Verdadeiramente, é mais uma apropriação que uma adaptação.
Só posso recomendar a leitura desta BD da argumentista polaca Marzena Sowa e do desenhador francês Sylvain Savoia, que também assumiu a colorização que assume um papel importante nos ambientes retratados ao longo das 122 pranchas desta BD. Ficará, certamente, como uma das BD maiores de 2024. Editado pela Dupuis.
The Nice House on the Lake
Hoje venho falar de um comics, editado pela DC, com argumento de James Tynion IV e desenho de Álvaro Martinez Bueno. Consegui finalmente completar a leitura do integral – Deluxe Edition, que junta as duas partes, os vários capítulos, do primeiro ciclo desta série.
O desenho é realista, atraente, muito expressivo num ambiente opressivo, em que é preciso perceber bem quando estamos perante um flash back, ou quando estamos perante diferentes fases da “atualidade” de 12 personagens “fechadas” no espaço de uma belíssima casa num lago (qual lago?) e das suas zonas circundantes.
O argumento é imaginativo e detalhadamente construído. É que estamos perante um contexto de verdadeiros “mind-games” focados em Walter – o anfitrião – e 11 convidados, desde “a artista” ao “acupunturista”, passando pela “médica” ou pela “consultora”.
A grande maioria destes 12 convivas conhece-se desde os tempos da “escola secundária” e têm em comum serem amigos/as muito apreciados/as por Walter. A decisão de aceitarem o convite de Walter para passar uns dias a descansar e socializar numa belíssima e enorme casa de que receberam imagens através de e-mail, parecia exaltante e totalmente justificada.
Só que Walter não é quem elas/es pensavam – o que é estranho, porque descobrimos que Walter já se tinha revelado a cada um/a deles/as. Só que ninguém se lembrava. Tal como já ninguém se lembra muito bem de como chegou àquela casa… O problema, no entanto, é que rapidamente se apercebem de que não conseguem dali sair, nem conseguem contactar ninguém fora daquele espaço.
Privados de liberdade, rapidamente vão fazendo sucessivas descobertas sobre a sua situação e sobre Walter. Diferentes personagens, diferentes relações, e algumas das personagens acabam, por momentos, isolados dos restantes. A intensidade e ritmo narrativos são grandes, os diálogos são acutilantes ao serviço deste thriller psicológico, num espaço fechado em que os “atores” têm dificuldade em conhecer as regras a que estão sujeitos, mas a muitas penas vão aprendendo.
Convém esclarecer que esta narrativa se desenvolve em ambiente de ficção científica e fantástico e, consequentemente, o/a leitor/a mesmo que se delicie com a situação da relação entre os 11 convidados e de cada um deles com Walter, acaba por perder um pouco o pé, pois também ele/ela não conhece as regras do “jogo”. Aquilo que sabe é o que lhe é dito e mostrado ao passar das páginas. E se é verdade que a leitura é cativante, o facto de sermos mais um/a desamparado/a observador/a manipulado/a dentro da casa do lago, é particularmente angustiante. E assustador. O que melhor se poderia querer?
Recomenda-se, portanto, a leitura, assinalando que ela exige muita disponibilidade imaginativa e uma calma necessária para absorver os pormenores. Ah!, já agora, não esperem simpatizar muito com nenhuma das personagens! Também, para quê? O futuro de cada uma delas não parece particularmente promissor!
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