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quarta-feira, 21 de maio de 2025

A opinião de Miguel Cruz sobre "Gone with the Wind", de Alary e "Last on His Feet", de Matejka e Daoudi

 


Gone with the Wind

A 25 de junho de 2023 foi aqui publicado um breve comentário sobre o Tomo 1 de Gone with the Wind. Ora, cá estamos para “contar o fim da história”!  É que o tomo dois foi publicado em janeiro de 2025, um belo “objeto de mais de 145 páginas”, bela capa, excelente trabalho editorial.

E o tomo dois mantém a qualidade do tomo 1, se é que não é melhor. É que o trabalho do desenhador e a adaptação do Romance de Margaret Mitchell, ambos por Pierre Alary, são excelentes. Excelente ritmo, inteligente profundidade da história, das personagens, dos diversos temas tratados. Gone with the Wind é uma belíssima história de amor. Gone With the Wind é muito mais do que uma mera história de amor. 
A adaptação é excelente e permite redescobrir um romance de referência com qualidade e sem superficialidades. O trabalho gráfico de Pierre Alary é muito bom, com diversas páginas absolutamente sumptuosas, o trabalho de cores é fortíssimo. Pierre Alary, um simpático e corajoso autor conseguiu claramente ganhar a sua aposta.

O reencontro entre Rhett e Scarlet, Tara sempre no pensamento desta última, tudo o que Scarlet faz para sobreviver, a caracterização da sociedade que os rodeia, as preferências, as invejas, a incompreensão, a ausência de perdão, os estereótipos, a cupidez e oportunismo de tantos, a adaptação ou falta dela à abolição da escravatura.

Os momentos de confronto entre as duas personagens principais são-nos apresentados de forma notável, são páginas que ficam na memória do leitor/da leitora. Os momentos em que Scarlet toma consciência dos efeitos do seu comportamento são de um impacto e de uma candura notáveis. Os momentos de “explosão” de Rhett são também notáveis.

Recomendo a leitura sequencial dos dois tomos, por mais que se conheça bem a história, sendo que a leitura destes dois volumes é extremamente agradável, mesmo que a história, como sabemos, não o seja totalmente, um interessantíssimo retrato de um mundo em forte mudança (ou decomposição). 

Editado pela Rue de Sévres. Não esperava dizer isto – o meu ceticismo de partida quanto a adaptações de certas obras literárias é conhecido – mas esta adaptação de Pierre Alary, um autor que, ao contrário de Scarlet não cedeu aos estereótipos e que soube impor a sua interpretação pessoal, é de leitura indispensável.




Last on His Feet

O título complete desta novela gráfica é Last on his Feet: Jack Johnson and the Battle of the Century, e como o nome indicia, estamos perante uma história de boxe. Mas certamente não apenas sobre uma história de boxe, mas sobre uma grande figura do boxe: Jack Johnson. Mas como Jack Johnson era negro, e o combate do século teve lugar nos Estados Unidos da América de 1910, esta é uma história de segregação racial, da forma como um dos grandes lutadores de todos os tempos foi tratado por ser negro, de oportunidades perdidas, de caráter, do que poderia ter sido, e de caminhos desbravados.

Editado pela Liveright (Publishing Corporation) em 2023, com textos de Adrian Matejka e desenho de Youssef Daoudi, esta novela gráfica é uma obra excecional, aviso que fica também para aqueles e aquelas que não se sintam atraídos/as pelo Boxe. Eu também nem por isso, sendo esta uma obra de qualidade inegável, de profundidade narrativa evidente, de surpreendente nível poético.

Lembro-me de, em 2024, ter ouvido falar da edição francesa desta novela gráfica (o desenhador é francês) sendo que, por algum motivo de que hoje já não me recordo, nunca a cheguei a adquirir. Uma das minhas filhas visitou, em Washington, o National Museum of African American History and Culture e lá encontrou à venda a edição inglesa de quase 320 páginas, tendo achado (com razão, thumbs up) que eu gostaria. E depois de lida, faz todo o sentido ser obra destacada naquele excelente museu.

O combate do século eu sabia qual era – Jack Johnson, campeão de pesos pesados, contra Jim Jeffries, campeão do mundo de pesos pesados, saído da sua reforma. O que não sabia era que este famoso combate que teve lugar a 4 de julho de 1910 em Reno, tinha resultado de longos anos de desafios lançados por Johnson para combater o campeão do mundo, para o poder ser, por sua vez, o que nunca lhe fora permitido por ser negro (“the color line”). Johnson ganhou inequivocamente o combate, com quase todo o público contra si, com as notícias abafadas, e tendo sido objeto de diversas perseguições depois de ganhar o combate até ser reduzido quase à miséria. 

“Thanks to these fists, I’ve witnessed scenes that poets can’t put words to…” A novela gráfica aborda o combate como elemento narrativo central, mas aborda desde as origens do lutador até à sua morte, numa vida cheia, corajosa, de um homem com e uma força interior e convicções notáveis, numa luta contra uma sociedade onde as suas atitudes e comportamentos eram tolerados pela sua fama e pela sua fortuna, mas onde a mínima oportunidade e defeito – e eram vários – foram aproveitados para o tentar deitar abaixo.
 Do melhor que tive oportunidade de ler nos últimos tempos.

sábado, 30 de abril de 2022

A nossa leitura de "Don Vega", de Pierre Alary - Ala dos Livros


Como tínhamos escrito ontem, hoje a leitura vai para o novo livro editado pela Ala dos Livros, "Don Vega", de Pierre Alary. De referir que na revista do Juvebêdê 84, de Julho de 2021, tínhamos já feito uma referência a este livro na rubrica assinada por Miguel Cruz. Agora aqui fica a sua leitura. 

"A primeira vez que Pierre Alary me chamou a atenção foi com uma série engraçada e agradável, de uma espia no século XVII, chamada Belladone, em que o autor da história era a famosa dupla Ange. O movimento e a sequência narrativa eram excelentes, embora o desenho nem sempre fosse perfeito e o meio envolvente algo simplificado.

Cerca de 10 anos mais tarde, Pierre Alary, agora com Fabien Nury (W.E.S.T ou Je suis Légion, entre muitos), obtém um verdadeiro sucesso ainda no domínio da espionagem (agora já no século XX, perto do final da I Grande Guerra) com Silas Corey.

Em 2020 este autor de desenhos angulosos, movimentos fortes e sequências enérgicas, decide avançar com um One Shot da sua exclusiva autoria (mudando agora para o século XIX, e de continente), revisitando o mito de Zorro, e aprofundando a história humana de Don Vega, bem como as condições de trabalho numa Califórnia (que acaba de se separar do México, mas ainda não é um Estado dos Estados Unidos) em ebulição e transformação, já para não falar do que o justiceiro mascarado Zorro representa para uma população explorada (peões) e maltratada.

É um desafio de risco, bem conseguido, numa versão muito cinematográfica, bem ritmada, com umas cores sombrias, razoavelmente clássico na abordagem à história (apesar de não ser um western no sentido tradicional do termo), com exceção da algo inesperada conclusão. Lê-se bastante bem, e constituiu um bom cartão de visita para um autor a seguir. 

O meu agradecimento ao autor pelo autógrafo, também ele algo sombrio, mas de que gosto bastante." 

Miguel Cruz