quarta-feira, 3 de setembro de 2025

A opinião de Miguel Cruz sobre "Whisky", de Duhamet e Ratte

 



Whisky

Apesar de poder parecer, não estou a querer convidar o/a leitor/a para os copos. Whisky é uma BD de Duhamet e de Ratte (dois autores pilares das edições Grande Angle da Bamboo, finalmente juntos) que aliás nem fala particularmente sobre a bebida desse nome. Trata-se de um álbum em que a critica social é evidente e constitui o pano de fundo, mas essencialmente é um divertimento. Bruno Duhamel, ao contrário do habitual fica apenas com responsabilidades sobre o argumento e David Ratte assume o desenho.

Comecemos precisamente pelo desenho: uma “linha clara”, muito legível, simples, elegante, algo caricatural, personagens expressivas, movimento e ação permanentes. Muito agradável, desenho de grande vivacidade, e boa adequação ao divertimento em causa.

Quanto ao argumento, ele é muito simples, sem pretensões, por vezes naïve. Mas o objetivo é esse: uma certa ligeireza na história, assegurar uma leitura agradável e caricatural, de onde sobressai uma coisa que é sempre agradável de constatar: que os dois autores tiveram um grande prazer na realização desta BD. Os diálogos são excelentes, e é através deles, com uma planeada ligeireza, que questões como o racismo ou a problemática dos sem abrigo, são afloradas.

As duas personagens centrais são um sem abrigo (Théo), com inclinações para a pinga (não, não é daqui que vem o título, tenham calma) e problemas grave de saúde, e um refugiado Curdo, jovem, de seu nome Amir, desenrascado e com um sentido prático notável, mas assolado por pesadelos do seu passado. Estas duas personagens têm de conviver e atuar em conjunto face às adversidades, mas não poderiam ser mais díspares em valores, interesses e leitura do mundo.

Os dois habitantes da rua, e inquilinos de um espaço debaixo da ponte (uma ponte dominada por um anúncio de alimento para gatos), vão adotar um cão, a que chamarão Whisky (voilá!). Ora o velho sem abrigo adora o cão, o jovem refugiado antes pelo contrário…

E é esta dinâmica da BD: a relação das personagens com a envolvente ao mesmo tempo que a relação entre ambas tem altos e baixos, com um personagem de quatro patas a perturbar o ténue equilíbrio de sobrevivência estabelecido, e muita corrida, muita fuga, muito pombo a voar.


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