quinta-feira, 15 de setembro de 2022

As opiniões de Miguel Cruz sobre: "Effroyable Shermann", de Palloni/Marsili e "La Vie me fait peur", de Tronchet/Durieux

As máquinas editoriais de banda desenhada franco-belga estão a arrancar desde finais de agosto, sendo que vêm aí novidades editoriais que prometem, como o novo Corto Maltese da dupla Ruben Pellejero e Juan Diaz Canales, o novo Jeremiah de Hermann, o tomo 2 de Ladies With Guns de Anlor e Bocquet, todos estes para princípios de setembro, ou o “Thérapie de Groupe” de Manu Larcenet, o novo Spirou (“La Mort de Spirou”) de Sophie Guerrive e Benjamin Abitan com desenho de Olivier Schwartz, ou a nova série Slava do nosso conhecido Pierre Henry Gomont (esteve em Lisboa aquando da adaptação para BD de “Afirma Pereira”). Isto para citar apenas alguns exemplos das próximas semanas. Os ansiosos da série Blake e Mortimer terão de esperar até novembro para a publicação do título “Oitos horas em Berlin” de Fromental, Bocquet e Aubin. 

Assim que possível, comentarei alguns destes títulos, mas para já, gostaria de mencionar ainda uma “leitura de verão”, uma história de aventuras e piratas, com o título de “Effoyable Shermann” e ainda "La Vie me fait peur".





Effroyable Shermann

Os autores deste muito agradável One Shot são os italianos Lorenzo Palloni e Alessandra Marsili (nascida em Lucca, terra de tradição em Banda Desenhada), respetivamente com o argumento e com o desenho.

Esta aventura tem início em meados do século XIX, mais concretamente em 1851, com a morte do austero proprietário de uma estalagem, na ilha de Cap Tourneboussole, Arthur Stiegmann, e a identificação dos seus quatro herdeiros: Cecil Shermann, preguiçoso, cocheiro, e pai de família sem dinheiro mas com bom coração; Magdalena Shermann, de origem nobre, em total decadência, mas uma espécie de “lady” dura, tirânica e de trato desagradável; Carl Shermann, armeiro, ativo, um pouco pedante e ansioso por aventuras; e ainda Wilmina Stiegmann, a única dos quatro que viveu com o cruel Arthur, aparentemente apagada e socialmente limitada.

As quatro personagens, reunidas pela primeira vez para a leitura do testamento, não podiam ter personalidades mais distintas, mas os quatro primos vão rapidamente ter de se habituar a estar juntos (para o bem e para o mal), pois há muitos segredos por descobrir, e a herança vai rapidamente conduzir a uma verdadeira caça ao tesouro. É que o austero e idoso Arthur Stiegmann fora o terrível e impiedoso pirata Auguste Shermann, de má memória e forte fama. E claro que mesmo na morte, este terrível pirata, não poderia deixar de complicar o acesso à sua herança. Muita ação, piratas, várias surpresas e traições – afinal, nas veias dos quatro primos corre o sangue Shermann - numa aventura curiosa, divertida e envolvente.

O ritmo desta BD é dominado com mestria, apesar da juventude dos autores, e é quase impossível parar a leitura, pois não há tempos mortos. A composição das páginas é muito interessante, diversa, e muitas vezes próxima da estrutura de um “comic”. O desenho é algo juvenil, mas muito agradável, luminoso, fácil de perceber, e adequado para a continuidade das cenas de ação.

Muito agradável, no essencial pouco previsível, com um tipo de humor refrescante, algumas referências interessantes a temas sociais da atualidade, esta BD editado pelas edições Ankama merece a melhor atenção, e um bom momento de leitura.




La Vie me fait peur

Quando nos deparamos com um livro de banda desenhada, a primeira coisa que nos interpela é a capa. Claro que nos importa saber se o desenho é a nosso gosto, se a história é interessante e alinhada com as nossas preferências, e apreciar a harmonia argumento-desenho. Tudo isso é importante, nalguns casos mais uma coisa, noutros mais outra. Tudo isto é verdade, sendo que eu valorizo muito a capacidade que um livro tem de me surpreender (positivamente, já agora!).

Foi isso que aconteceu com esta BD, cujo título “La vie me fait peur” (talvez, numa tradução pouco pensada: a vida assusta-me), me provocou “medo”. Confesso que a capa não me atraiu particularmente, embora seja elegante, e esteja de cabeça para baixo. 

O que me chamou a atenção foi, em primeiro lugar, a combinação de excelentes autores – Tronchet no argumento e Christian Durieux no desenho (falei dele recentemente por causa de um episódio de Spirou e Fantásio visto por…) - e em segundo lugar o “pitch” da história: O jovem personagem central da história, Paul, começa por ser despedido, pela sua mulher, da sua própria empresa… Paul não reage mal, não se revolta. Antes começa um processo de introspeção sobre a sua vida, com a sensação de ter falhado ou perdido algo.

Desta interessante cena inicial, passamos para a infância de Paul, com um pai inventor, criativo, sedutor e um pouco tresloucado, admirador de produtos e novidades americanas, fortemente admirado pelo seu filho, e uma mãe austera, sensata, com fortes valores morais, simpática e fonte de estabilidade familiar (e de uma alimentação baseada quase exclusivamente em frango!). Um ambiente familiar atípico, com o pai a tentar, permanentemente, lançar novos produtos/negócios, mas pleno de amor, sem facilidades financeiras e várias situações divertidas, que conta ainda com a participação frequente de um amigo da família, Jean, nem sempre o melhor exemplo a seguir, mas grande apoio do pai de Paul, e verdadeiro amigo deste.

Não posso relatar mais a história sem spoilers, mas posso caracterizá-la sem dificuldade: interessante, imprevisível, surpreendente e terna. Trata-se da adaptação de um romance de Jean-Paul Dubois, realizada com elegância e humor. Os desenhos são muito bons, as perspetivas são bem adaptadas a momentos particularmente inventivos, a leitura é muito fluída e agradável.

Editada pela Futuropolis, esta BD é uma pequena pérola que merece ser recomendada. 

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