sábado, 12 de outubro de 2024

A opinião de Miguel Cruz sobre "Zorro: D’Entre les Morts", de Murphy e "Ligne de Fuite", de Cullen

 


Zorro: D’Entre les Morts

Sean Murphy é um daqueles autores que já não precisa de apresentações, e que já viu vários dos seus trabalhos editados em português.

Talvez seja uma “quase-heresia”, mas o seu último trabalho, Zorro: Man of the Dead, chegou às minhas mãos editado em Francês, pela Urban Comics. Efetivamente, vi numa livraria uma edição de Zorro: D’Entre Les Morts, a preto e branco, e não consegui resistir.

É uma homenagem confessa às aventuras de Zorro, mas não é uma aventura de Zorro. Passaram quase 200 anos do desaparecimento da personagem, mas em La Vega, o mito continua a ser celebrado, juntamente com o dia dos mortos, ou como diríamos nós, o dia de finados. Zorro cavalgou uma última vez em direção ao pôr do sol há um pouco menos de 2 séculos, mas o mito vive, tal como a sua marca no pórtico de entrada da igreja. 

Zorro não é um homem, mas um ideal de liberdade, de combate à opressão. E quando for necessário esse ideal viverá de novo! Pelo menos é isso que pensam alguns habitantes de La Vega. Só que esta pequena cidade mexicana está ocupada por um cartel de droga, que explora os campos e usa uma rede de subterrâneos em seu benefício, oprimindo a cidade e os seus habitantes. Logo, essas ideias de liberdade não são bem vistas, tal como não o são as celebrações do mito Zorro.

E é assim que começa esta aventura: com um momento intenso durante os festejos do dia dos mortos, em que o líder local do narcotráfico mata o ator que encarnava a personagem Zorro para os festejos, mesmo em frente do padre e da população local e dos seus dois filhos: Diego e Rosa.

Vinte anos passados, lugar à vingança. A rebelde Rosa integra a equipa de segurança dos narcotraficantes e Diego, até aqui mudo e traumatizado, revela-se um fino e ágil combatente e, mesmo se algo desatualizado, um excelente canal para o mito de Zorro.

Em matéria de desenho, não é preciso mais do que quatro palavras para caracterizar este trabalho: excelente, dinâmico, elegante e expressivo. Nada de novo, conhecemos a qualidade do traço de Sean Murphy.

Quanto à narrativa, a ideia é muito interessante, e o autor consegue um verdadeiro milagre no aproveitamento do espaço de que dispôs para esta aventura. Quereríamos um pouc o mais de detalhe na caracterização das personagens, um pouco menos de reviravoltas surpreendentes, um pouco mais de profundidade. Mas para isso precisaríamos de mais do que as cerca de 90 páginas.

Mas não nos centremos no copo meio vazio: é uma aventura que nos prende, um tour de force gráfico, e uma bela homenagem contemporânea a Zorro, essa personagem que me deu tantos minutos de divertimento de juventude. Lê-se bem e com agrado! Editado também em inglês pela Format Comics.



Ligne de Fuite

Uma BD que, já lá irei, vale muito a pena, e que tem desde logo, como curiosidade o facto de o seu autor, Robert Cullen, ser irlandês (de Dublin), mas esta ser a sua primeira edição, ou seja em língua francesa. Segundo percebi, uma vez editado em francês, parece poder estar a caminho uma edição em inglês.

Trabalhando há vários anos em cinema de animação, o autor indicou ter uma enorme vontade de ter a sua BD editada, o que veio a acontecer numa editora muito recente chamada Éditions Blueman. E ainda bem que o conseguiu, porque a BD é bem conseguida. Um desenho realista, muito bem definido, expressivo e elegante, com muita atenção aos pormenores.

Três histórias diferentes, três épocas diferentes, três personagens centrais distintas, todas elas carregando os seus problemas de gente comum – tristeza, remorso, uma vontade de fazer as pazes com o seu passado. Qualquer das três narrativas tem um desenvolvimento surpreendente, no primeiro caso fantástico, no segundo surpreendente e, no terceiro, sensorial.

Uma jovem dançarina de cabaret que, atraída pelo dinheiro, aceita ser assistente de um mágico de comportamento algo estranho, e cujas apresentações são privadas, apenas para grupos masculinos e bem pagas, até porque algumas das anteriores assistentes do mágico desapareceram sem rasto. Bom dinheiro, elevado risco…

Uma mãe com a sua filha tem um acidente de carro. Alguém morreu, alguém tenta perceber como a sobrevivente está (a sobreviver). Confuso? Talvez não.

Dois jovens assaltam uma casa a coberto da noite. Têm de fugir nas suas bicicletas, sendo um deles atingido por um carro, e ficando permanentemente surdo como resultado. 40 anos depois um som vem surpreendê-lo. Um som do passado?

Três histórias bem estruturadas e bem contadas, uma leitura muito agradável. Não é uma leitura linear, e o leitor apela ao fantástico e ao inesperado, talvez mesmo ao incongruente, para jogar com as emoções, nossas e das personagens.

O desenho é essencialmente em bicromia, negro e cinzento ou negro e azulado, com alguns traços indispensáveis de cor aqui e ali. A capa, com referência a todas as histórias, mas com lugar frontal para a terceira, é belíssima e ilustra bem o tom da narrativa.





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