Contrapaso - Tome 2: Pour adultes avec réserves
Aqui há alguns anos, não muitos, na Comic Con, esteve presente Teresa Valero, muito simpática, mas creio que sem qualquer livro publicado em português, ao contrário do que se passava com o seu companheiro Juan Díaz Canalès (Blacksad, Corto Maltese, Como viaja a Água – e brevemente Weekly, mas isso é outra conversa). Havia pessoas portadoras de edições em castelhano, sendo que já na altura tinha sido publicada em França a primeira parte de Contrapaso. Não sei se este título é meramente relacionado com a dança, como referência à movimentação oposta dos personagens centrais ou se, numa versão Divina Comédia, é uma referência à punição divina para os pecados. Qualquer das duas versões seria adequada!
Publicado em 2021 pela Dupuis, o primeiro tomo de Contrapaso acompanha um inquérito perigoso durante a ditadura de Franco, e um forte combate entre o entendimento sobre a liberdade de expressão e o papel do jornalismo, entre León Lenoir, jovem repórter e Émilio Sanz, veterano jornalista. Um excelente, mas duro álbum, retrato de uma época, ilustração dos abusos de uma classe dirigente, chamada de atenção para as consequências de restrições à liberdade de imprensa. Os desenhos, num estilo realista, são excelentes, a reconstrução da época é cuidada, e a narrativa é muito bem construída, os diálogos inteligentes. Uma história para adultos, e mesmo assim durinha.
Para adultos, com reservas, é o título do tomo 2, acabado de publicar, quase 4 anos depois do primeiro, novamente editado pela Dupuis e com cerca de 175 páginas, um pouco mais que o primeiro.
Gostei bastante da leitura, prendeu-me a atenção. Os desenhos são excelentes, perspetivas cinematográficas para um novo “inquérito” relacionado com o cinema. A narrativa continua escorreita, os diálogos acutilantes, a caracterização das personagens Sanz, experiente, amargo, desiludido, muito inteligente e León, fogoso, explosivo, perturbador e idealista, é muito boa. Ambos corajosos à sua maneira, curiosamente.
O tema base continua a ser a censura, no período da ditadura franquista, desta vez no cinema. Um morto numa sala de cinema, que se vem a descobrir tratar-se da 17ª morte com os elementos caracterizadores da atividade de um assassino em série investigado há anos por Emílio Sanz, é o ponto de partida para perigos, investigação escondida, sensibilidades políticas, repressão e crítica social.
Anunciado como uma trilogia, Contrapaso conta agora com dois tomos de peso e de qualidade, retrato cuidado de uma época, cardápio de opções e consequências de lidar com uma teia podre de cumplicidades de suporte a um regime ditatorial. Uma boa leitura, uma excelente obra, de consumo recomendado, mas com a nota de que “vem sem açúcar”.