sexta-feira, 25 de agosto de 2023

A opinião de Miguel Cruz sobre: "Le Dernier Quai", de Delestret e "Frontier", de Singelin

 


Le Dernier Quai

De vez em quando somos confrontados com uma BD difícil de classificar, e a que, se for de boa qualidade, temos o hábito de chamar uma pérola. E é precisamente sobre uma pequena pérola que vos quero falar: Le Dernier Quai. 

Nicolas Delestret é o responsável por esta BD e, para quem tenha lido alguns meus comentários anteriores, já me tinha agradavelmente surpreendido com uma outra BD chamada “La Maison aux Souvenirs”. Não é um autor de “grande público”, mas é um autor de qualidade, que constrói histórias muito bem estruturadas, poéticas e modernas para nichos de mercado. 

Sobre o desenho, num estilo semi-realista, muito delicado, em que as cabeças das personagens são tendencialmente arredondadas (há aqui traços de ligação a algum cinema de animação), nada a dizer de menos positivo. As cores são bem colocadas ao serviço dos diferentes momentos da narrativa, e a oposição luz-sombra demonstra um domínio gráfico de grande maturidade. Esta obra é de fácil leitura, pormenorizada no desenho e com uma composição de página muito atraente. A história é muito bem pensada, por forma a que o leitor vá, gradualmente, obtendo mais informação sobre as personagens e tentando adivinhar a relação entre elas.

O personagem principal é Émile, um simpático gerente de um hotel de charme muito especial, porque os clientes que ali chegam acabaram de deixar este mundo!! É um hotel purgatório, portanto, e este é o tema tratado com toda a doçura na BD. 

Todos os dias a rotina do nosso gerente de hotel é a mesma, o que nos dá a falsa ideia de que pouco haverá a contar. A chegada de três novos clientes ao hotel cria a base da narrativa, dividida em vários atos, cada um começando uma página inteira retratando o acesso ferroviário ao hotel, que nos permite ir conhecendo a história de cada um destes recém falecidos e, particularmente a sua relação com Émile. E é aí que, ao acontecer uma quebra da rotina, tudo se complica…

Só no final do livro é que conseguimos ter a resposta para as diversas questões que vão surgindo, conseguindo Delestret esconder bem o seu “jogo”. O/A leitor(a) que se quiser aventurar na “visita” a este hotel, deve começar por refletir bem sobre a capa que lhe é apresentada. Editado pela Bamboo.




Frontier

O título, tal como a capa, não deixam margens para dúvidas: trata-se de uma BD de Ficção Científica. Guillaume Singelin é um autor que tem trabalhado muito para o mercado norte-americano, e em guiões para cinema. Estamos num “território” para lá dos planetas do sistema solar – a “fronteira”.

Trata-se de uma boa BD, com um desenho muito detalhado, agradável à vista, cada “quadradinho” contendo uma miríade de pormenores e uma enorme quantidade de objetos, muito movimento e enorme expressividade. Apesar dos detalhes, a simplicidade de um desenho muito característico permite uma leitura muito agradável e até relaxante.

As cores estão bem, apenas pouco vibrantes num ou noutro ponto, mas parece ser intencional, para contrastar as tumultuosas páginas com a calma da leitura. As 190 páginas desta obra demoram muito tempo a ler, tal é a atenção que cada página nos suscita.

A história é bem trabalhada e a sequência narrativa muito boa, o autor constrói um universo coerente, procurando passar algumas mensagens éticas, por vezes simplistas, sem qualquer tom moralizador, mas criando uma profundidade de tratamento das personagens (com aspeto infantil, sem nariz, mas com caráter forte) que é de assinalar.

Ji-Soo, um espírito científico e um curioso do desconhecido, vendeu recentemente a sua empresa à Energy Solution, empresa com que ele não “simpatiza” o que o leva a uma aventura espacial, através da qual vai descobrir a exploração de outros planetas, através de uma recolha sistemática de recursos, com impactos ambientais significativos. Durante este seu périplo, Ji-Soo vai encontrar outras personagens (nomeadamente a aventureira Camina e o desenraizado Alex), todas elas com características e valor acrescentado em conhecimento, experiência de vida e opinião.

Uma das boas BD de 2023, na minha opinião, muito concentrada nas “pequenas coisas positivas” e, portanto, de leitura recomendável, apesar de, convém dizê-lo, o universo de ficção científica que lhe serve de base não seja extraordinariamente inovador nos seus pressupostos. A editora é a Rue de Sévres, através da sua chancela Label 619 que, mais uma vez, nos “entrega” uma obra cuidada, com excelente qualidade gráfica e editorial.




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