quinta-feira, 5 de setembro de 2024

A opinião de Miguel Cruz sobre "Fournier – Ma Vie de Rêves", de Fournier e "Octopolis", de Nocq

 


Fournier – Ma Vie de Rêves

Todos conhecemos Jean-Claude Fournier como o sucessor de Franquin na série Spirou e Fantasio, com obras como “O fazedor de Ouro”, “Tora Torapa” ou “O Mensageiro da Morte” um favorito pessoal meu.

Muitos conhecem o belíssimo estilo poético de Fournier e o universo que criou para Spirou e Fantasio, bem como o facto de ser um autor que teve uma relação de amizade marcante com o mestre Franquin.

Em tempos mencionei na JuveBêDê uma outra obra de Fournier de que sou apreciador: Les Chevaux du Vent, publicado pela Dupuis na coleção Aire Libre.

Fournier que entrou na sua 80ª década de vida publicou, na Daniel Maghen, uma longa BD em que conta uma série de episódios marcantes da sua vida de autor, e que intitulou de “A minha vida de sonhos”.

O desenho de Fournier é agradável, naquele estilo que sempre marcou a revista Spirou e a chamada escola de Marcinelle. Os episódios contados são interessantes, dão-nos uma informação muito detalhada e relevante sobre os tempos da sua relação editorial com a revista e com a editora Dupuis, bem como com a sua aprendizagem com Spirou (e também com Maurice Rossy).

Sejamos claros, Fournier é um mestre da BD Franco Belga, teve variados sucessos editoriais e foi maltratado por editores, num contexto em que o modelo editorial de Banda Desenhada se encontrava em franca mudança. Apesar disso, o tom é ligeiro e divertido, mostrando um respeito enorme pelas oportunidades que teve, pelas obras produzidas e pelos autores com que se cruzou na sua vida profissional.

Com esta BD ficamos também a conhecer a inspiração de várias referências nas obras passadas do autor, nomeadamente em Spirou, sejam as silhuetas fantasmagóricas e os ruídos assustadores de “O Mensageiro da Morte”, ou algumas personagens de “Bizou”. Ficamos também a saber que Fournier concebeu e desenhou várias páginas de uma aventura de Spirou, nunca publicada !?!?!? Que desperdício…

Não será certamente uma obra para todos, mas será uma obra para muitas e muitos apreciadores de BD, admiradores/as do autor e de Franquin e de curiosos/as sobre o trabalho interessante desenvolvido na Banda Desenhada francesa de há 50+ anos.





Octopolis

Octopolis é um cruzamento de um documentário sobre ciência e vida marinha com uma narrativa misteriosa em que Mona Fauconnier procura o seu pai, desaparecido em circunstâncias não esclarecidas.

Num desenho sempre em tons de azul oceano – salvo nas raras aparições de alguns animais coloridos como é o caso da arara de Mr. Faucommier que, já agora, também vai “levar sumiço” – Gaétan Nocq (de quem me recordo de uma BD muito bonita chamada “Les Grands Cerfs”, também editado pela Daniel Maghen) apresenta-nos uma narrativa interessante, com uma enorme quantidade de informação científica, e cujo tema central é o “desaparecimento”.

A narrativa é subtil, os desenhos azulados, estilo esboço, são atraentes para o tema em tratamento, com um grande número de páginas “passadas debaixo de água” e várias em silêncio, algumas com narração. Mona, que procura o seu pai, com quem não tinha contacto há 7 anos, vai-se ver envolvida numa intriga relacionada com uma aparente descoberta científica de um local no fundo do mar, com um relatório preparado por Fauconnier e com um confronto entre uma visão mais ambientalista e interesses económicos associados à descoberta.

Os temas e os diferentes momentos deste one shot com mais de 250 páginas, são tratados com elegância, com algum suspense, momentos opressivos, mas sem violência. Isso é muito positivo e torna a leitura agradável também porque diferente do habitual. No entanto, duas notas menos positivas têm de ser apresentadas: a primeira tem a ver com a quantidade de informação passada que é tão grande que, por vezes nos faz perder o foco da narrativa. Interessante, muito interessante, desde a evolução das espécies, a técnica de mergulho, os estudos sobre a fauna marinha, etc. Mas muita!

A segunda tem a ver com a relação entre filha e pai – afinal sabemos apenas que a filha saiu de casa após a morte da mãe, por doença, uma vez que o pai não deu apoio familiar face aos trabalhos em que estava envolvido – à qual falta alguma profundidade. Digo eu, embora perceba que dificilmente haveria “espaço” para mais. E depois, o desaparecimento do pai é mais uma muleta para a narrativa do que o seu centro!

Esta foi uma das BD com boas referências de 2024. Gostei bastante da leitura e, portanto, recomendo, mesmo que não possa deixar de assinalar os dois aspetos que fragilizam a qualidade da BD.





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