segunda-feira, 6 de janeiro de 2025

A opinião de Miguel Cruz sobre "Les Tuniques Bleues t.68 - De L'or pour les bleus", de Lambil e Neidhardt e "Rare Flavours", de Ram V e Filipe Andrade

 


Les Tuniques Bleues (Os Túnicas Azuis) t.68 - De L’or pour les Bleus

O que dizer de uma série que atinge os 68 tomos, e que se prolonga, com sucesso, desde 1972? Que deve ser uma excelente série? É, efetivamente, embora naturalmente com altos e baixos. Que já não dever ter muito para dizer? Pois, se calhar já não tem muita inovação para entregar. E, no entanto, este tomo 68 fica uns furos acima de algumas das entregas mais recentes. Recorde-se que cada tomo relata um episódio mais ou menos notável, mais ou menos “romanceado”, do período da terrível guerra (todas o são) da secessão ou Guerra Civil dos Estados Unidos. É verdade que, embora os episódios sejam sempre “one shot” (com exceção dos primeiros tomos que tinham alguma continuidade por serem focados na vida da tropa aquartelada num forte), há elementos que se vão mantendo ao longo de todos os episódios – a lealdade e a candura do sargento Chesterfield, o cinismo do cabo Blutch, as tentativas do primeiro para evitar que o segundo deserte, os esforços do segundo para que o primeiro não arranje problemas, a tradicional reação do cavalo Arabesque, que se faz de morto ao primeiro disparo, a paixão de Chesterfield pela filha do Coronel ou a incompetência da generalidade dos graduados – quer azuis, quer cinzentos – e a sua falta de respeito pelas tropas que comandam.

Neste caso, o episódio consegue ter elementos e volte faces interessantes, e acompanhamos a narração com o habitual agrado e interesse. Blutch e Chesterfield estão de licença quando assistem a um cobarde ataque de assaltantes de estrada a dois soldados confederados. Um deles, moribundo, pede a Chesterfield para entregar um medalhão à sua noiva. E aqui começam os problemas, pois apesar de se disfarçarem, os nossos dois heróis vão entrar em território do Sul, e acabam por se ver envolvidos num plano para obter financiamento para o esforço de guerra dos Estados do Sul. As peripécias são variadas e divertidas, como se imagina. Até a companhia do (insuportável) filho do General Lee os nossos dois “azuis” vão ter de suportar.

Embora, como referi, já não introduza muita novidade, o novo argumentista – Fred Neidhardt, que sucede a Kris que por sua vez sucedeu ao grande Cauvin, entretanto falecido – entrega uma história consistente, engraçada e de leitura fácil. Neidhardt fora já o argumentista de um episódio de Spirou e Fantásio que me agradou – “Spirou Chez les Soviets”.

O desenho continua nas mãos do excecional Lambil – recorde-se que a série foi criada por Cauvin e por Louis Salvérius, tendo o primeiro álbum sido publicado em 1972, ano em que Salvérius faleceu, aos 37 anos, quando estava a meio da preparação do que viria a ser o quarto álbum (Outlaw), que Lambil veio a terminar. Claro que há pontos onde se verifica uma menor precisão no desenho, mas ele continua a ser agradável, legível, de uma expressividade fantástica. Talvez importe recordar quer o nosso desenhador vai já para os seus 89 anos, pelo que a qualidade que entrega tem, ainda, mais valor.

Já agora, em Portugal, a coleção da Asa começa com um tomo 1 – Os Cavaleiros do Céu, tal como na coleção da Edinter, que é o tomo 8 da coleção editada pela Dupuis, a que se segue o tomo 2, que é o tomo 6 da coleção original, etc. Seja como for, temos em Portugal editado, creio, menos de uma vintena dos 68 tomos, sendo que apenas a Edinter, na década de 80 publicou dois dos álbuns com desenhos de Salvérius.





Rare Flavours

Só agora li mais este trabalho do duo Ram V e Filipe Andrade. Novamente num contexto de cultura Indiana, novamente cruzando vidas “reais” com o sobrenatural e a deuses e demónios da “mitologia” indiana. 

Rubin é o proprietário de um café que atrai muitos turistas na cidade de Somarah, que tem como principal característica – pelo menos a primeira em que se repara, as suas dimensões fora do comum (e o esconder-se por detrás de uns óculos com um aspeto inquietante.

Rubin é, na realidade Bakasura, um terrível demónio apreciador de carne humana, que foi derrotado e deixado por morto num passado longínquo e que vive agora mais ou menos discretamente em territórios de mortais humanos.

Cansado e verdadeiramente ansiando por outras experiências, Rubin recorre a um jovem realizador de muito pouco sucesso, para o acompanhar e realizar um documentário sobre os sabores da índia, contando depois desaparecer deste mundo. E são estas peripécias deste estranho duo que vamos seguir, como desculpa para um verdadeiro mergulho na cozinha indiana. 

A narração, como é habitual, é inteligente, inesperada, consistente, divertida, mas reflexiva. Uma excelente história. Quanto ao desenho, já bem conhecemos a qualidade do traço de Felipe Andrade. Mas uma história de cozinha e sabores constitui um desafio, pois importa ser fortemente atrativa ao olhar, tem de conseguir passar toda a expressividade das personagens, as sensações de cada prato. E Filipe Andrade agarrou o desafio com um desenho sempre concentrado no essencial. As cores, de que Filipe Andrade também se encarregou, assumem um papel naturalmente importante ao longo das cerca de 150 páginas.

Editado pela Boom Entertainment.


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