terça-feira, 11 de fevereiro de 2025

A opinião de Miguel Cruz sobre "1629…ou l’effrayante histoire des naufragés du Jakarta" - tome 2



1629…ou l’effrayante histoire des naufragés du Jakarta - tome 2

Ora, se bem se lembram, no final do tomo 1 – publicado em português pela Arte de Autor – o Jakarta tinha naufragado, ficámos na dúvida sobre se Jéronimus Cornélius teria sobrevivido ou se iria ser atacado por um aligator, a improvável Lucretia Hans tinha dito ao corajoso e individualista Hayes para ver as coisas pelo lado positivo, tinham sobrevivido ao inferno do Jakarta. A questão óbvia é: terão mesmo.

O primeiro tomo desta história, baseada em factos reais, narrada por Xavier Dorison e desenhada com brio por Thimotée Montaigne, tinha, ao longo de 130 páginas descrito o inferno flutuante que era o Jakarta, as regras definidas pela Companhia das índias Orientais (VOC) com o objetivo exclusivo da maximização do lucro, a estupidez do seu capitão Arian Jakob, os medos, receios e limitada visão do seu encarregado Francisco Delsaert, a cupidez, o egoísmo, a capacidade de persuasão reptiliana de Cornélius, para além da maldade, da inveja, da raiva, da estupidez, que levam grupos de pessoas a seguirem as ordens ou a acreditarem nas falsas promessas de quem tem um objetivo óbvio.

No segundo tomo, lamento dizer-vos, o inferno mantém-se, com passageiros e tripulação instaladas em pequenas ilhotas inóspitas, com reduzidas condições de sobrevivência e em que a sobrevivência do mais forte será o único caminho a seguir.

Na prática, veremos, apenas uma personagem se comporta, sempre, com dignidade e coragem. 

É terrível esta história, mas pelo menos não podemos dizer que não fomos avisados, desde o título, logo na primeira página. E é terrivelmente bem contada, com detalhes verdadeiramente escabrosos, mas para os quais o autor nos avisa que ficam bem aquém da realidade! A intensidade da narração, o suspense, a qualidade do diálogo, a narração cirurgicamente usada para nos permitir respirar, são constantes ao longo de toda a história, ao longo dos dois tomos. Não há fio narrativo, detalhe, que tenham sido esquecidos.

O desenho é grandioso, os rostos são expressivos, o terror, a baixeza, a estupidez, são excecionalmente palpáveis. 

A qualidade da edição da Glénat – e da Arte de Autor – é também merecedora de nota – um relato que atravessa séculos, e que muito diz sobre – leiam as primeiras páginas – o termo “extinção da alma”.




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