quarta-feira, 19 de fevereiro de 2025

A opinião de Miguel Cruz sobre "Revoir Comanche", de Romain e "Islander 1", de Rouge e Férez

 

Revoir Comanche

“Voltar a ver Comanche” mais do que “Rever Comanche” é o objetivo deste one shot, um “road movie” nostálgico que nos permite reencontrar um Red Dust envelhecido, na segunda década do século XX, marcado pela preocupação de não conseguir contacto com o Rancho triplo 6 e, portanto, não ter notícias de Comanche.

O belga Renard Romain, que nasce no ano da publicação do tomo 4, e talvez dos mais marcantes da série Comanche, “O Céu está vermelho sobre Laramie”, aproveita a lenda e os episódios marcantes da série para imaginar o “futuro” das personagens centrais da série. O episódio publicado em 1975 é a peça central das referências e dos acontecimentos desta BD de homenagem a uma série realista, humana, de transição de épocas, e claramente marcante na história da BD franco-belga (obrigado senhores Greg e Hermann).

Vivienne, uma jovem bibliotecária em estado de gravidez avançada, procura Red Dust na California (tendo descoberto que este se esconde agora com o falso nome de Cole Hupp), para obter deste um relato da vida aventurosa do “faroeste” e pormenores picantes da construção da lenda de Red Dust no Wyoming.

Para o convencer, a jovem diz-lhe que o rancho da sua querida Comanche está há vários dias sem contacto. Vivianne e Red põem-se a caminho, de carro, atravessando vários Estados, para chegar até ao nosso conhecido rancho. Pelo caminho várias coisas acontecem – incluindo vários sinais de mudança dos tempos –, até um nascimento antecipado.

Red Dust é acompanhado de vários fantasmas do seu passado. As interrogações sobre o que mudou e sobre se valeu a pena são centrais nesta BD nostálgica, triste, mas focada na redenção.

A nostalgia é levada ao extremo de termos um “velho” Red Dust a sugerir que o bebé de Vivienne tome o nome do seu pai: Hermann.

Um desenho elegante em fundo a preto e branco, rostos crispados num fundo nostálgico de mundo em decadência e de revolta da natureza. Um belo álbum que retrata o fim de uma vida, o fim de uma época, o fim de uma lenda, a passagem do testemunho, a importância dos valores.

Editado pela Le Lombard, esta BD de quase 150 páginas será brevemente editada em português. 




Islander 1

Islander de Corentin Rouge (desenho) e Caryl Férey (argumento), editado pela Glénat é um três em um: um relato de antecipação (não é pós-apocalíptico, mas tem os elementos essenciais do género), pessimista e baseado na evolução climática e nas pressões migratórias; uma BD de aventura, com um fundo de intriga política e muita ação num contexto marcado pelo frio; uma história marcada pela crítica social. Mais de 156 páginas para um tomo 1 (de seu título “O Exilo”) permitem esta abordagem ambiciosa.

Para além de recomendar fortemente a leitura, também direi que a mesma me entusiasmou. A capa é excelente e comercialmente bem escolhida, a narrativa é inteligentemente estruturada, sabiamente desenvolvida, sempre com o objetivo de nos envolver nas emoções, tomar lados e querer saber para onde vamos. Falta ainda desenvolver um pouco mais os personagens, mas o tomo 1 pretende estabelecer as bases da narrativa. O desenho é atraente, realista, dinâmico, por vezes explosivo, os grandes espaços ocupam partes importantes das páginas, fazendo bem o contraste das imagens focadas nas faces e emoções das personagens. O enquadramento e a sequência narrativa são muito cinematográficos. Do ponto de vista visual, este álbum é um prazer.

A BD Islander é, chame-se a atenção, intencionalmente perturbadora. Constitui um aviso, marcada pela violência, pelo desespero, pela manipulação da informação, pela morte do senso comum e do respeito pelos outros em detrimento da sobrevivência de pequenos grupos.

Neste primeiro tomo, não sabemos bem, mas intuímos diversas catástrofes naturais que fazem com que a população da Europa tente migrar para as ilhas. Inglaterra fechou as fronteiras, a Escócia continua a receber migrantes, mas em condições dramáticas, com passagem por sucessivos campos de detenção, sem condições. Na Islândia também as fronteiras estão fechadas, o país está dividido, e os migrantes “ilegais” continuam a chegar. Uma verdadeira mudança de perspetiva.

Liam faz tudo para se juntar a um grupo de migrantes autorizados, roubando a autorização a uma jovem integrante de um grupo que acompanha o professor Zyzek. Tendo sucesso nesta operação, acaba por embarcar num navio com destino à Escócia, mas que, de maneira particularmente dramática (por ação dos elementos, mas principalmente humana), acaba por chegar à Islândia. O grupo sobrevivente acaba detido, e é transportado para um campo de refugiados controlado por um grupo violento, sendo que Liam acaba por conseguir fugir durante o transporte (na única parte um pouco mais rocambolesca). 
Liam, esta personagem que provou já ser capaz do melhor e do pior, mas de origem e motivações desconhecidas, junta-se a um grupo que contesta a política de emigração, e acaba por se encontrar com aqueles que procuram o professor Zyzek, sendo que este se encontra no campo de refugiados onde a revolta contra as forças de segurança acaba por ter sucesso.

Vamos ver qual o desenlace desta narrativa, mas para já, o melhor que posso dizer é que espero o tomo 2 com interesse.



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