Plus Loin Qu’ailleurs
Por vezes, fazer um comentário sobre uma BD quando o que se teria a dizer é muito simples e curto, constitui uma tarefa algo ingrata: Chabouté tem um estilo de desenho facilmente reconhecível e expressivo, a preto e branco, ou melhor desenho branco sob fundo preto (branco e preto?) de que gosto particularmente. Chabouté tem uma capacidade extraordinária de nos contar histórias inesperadas e surpreendentes, sempre interessantes e cativantes, muitas vezes nascidas de quase nada. É o caso.
(…)
Mais?
(…)
Que poderei dizer mais?
1. Que em Plus Loin qu’Ailleurs – traduzamos para Mais longe que Outros Lugares – encontramos Alexandre, segurança essencialmente noturno num parque de estacionamento que se prepara de ir de férias (o que não lhe é habitual) para o Alaska, após uma grande preparação e planeamento. Azar dos azares, a viagem é cancelada após falência da manhosa agência de viagens e, para além disso, de enervado que ficou, acaba por ter um pequeno acidente cujo resultado é um tornozelo partido. Tudo estragado!
Assim, as férias de Alexandre vão ser passadas no quarteirão onde habita, que mal conhece, com pessoas que desconhece, num contexto comportamental que lhe é novo.
Uma BD nostálgica, mas curiosa e positiva sobre conhecimento do que nos rodeia, relação com os outros, e de como o quotidiano pode ser encarado de forma diferente. De coisa nenhuma, Chabouté apresenta-nos uma BD com diálogos excelentes, desenhos expressivos e uma ideia que nos toca.
2. Que Chabouté tem alguns álbuns já publicados em Portugal, sendo o último de que me recordo o Táxi Amarelo, editado como novela gráfica pela Levoir.
3. Que a edição, com uma excelente capa negra com um quadrado de luz interior e uma exposição de cena doméstica é da Vents D’Ouest.


L’Armée des Ombres
Baseado num romance escrito ainda durante a II Grande Guerra, esta BD é exclusivamente sobre a Resistência Francesa. O romance de Joseph Kessel tinha, segundo nos é referido, como objetivo exaltar o esforço heroico do exército das sombras, estimular a resistência e dar esperança numa vitória final.
Quanto à BD, ela constitui um documento muito interessante de apresentação da organização da Resistência Francesa, com detalhe no quotidiano deste “exército”, não exclusivamente nos feitos heroicos. Muito medo, muitas medidas de segurança, uma organização complexa.
O argumento é interessante, bem estruturado, verificamos num ponto ou outro que se trata de uma versão resumida do romance, mas sem perturbar a leitura, os diálogos são inteligentes, o conjunto é esclarecedor e mesmo educativo. Não é um documentário, mas a preocupação com a exatidão é evidente.
O argumento está a cargo de Jean-David Morvan que, recentemente, foi responsável pela publicação de várias obras sobre a resistência francesa que fizeram bastante sucesso, como foi o caso de Madeleine Résistante, de que aqui falei por mais de uma vez. Um autor com provas dadas de honestidade intelectual, de preocupação com a veracidade histórica, e de capacidade de estruturar uma narrativa interessante e humana.
O desenho ficou a cargo de Emmanuel Moynot, que em Portugal conhecemos de Nestor Burma. O desenho de Moynot é brusco, agressivo, sombrio, o que é muito útil ao serviço da história. Não é um desenho “certinho” embora os planos afastados, por exemplo da vista sobre a cidade de Marselha, deem essa ideia, pelo cuidado, detalhe e precisão. O estilo é, efetivamente nervoso, por vezes propositadamente “tosco”, concentrado na expressividade de gestos e rostos, em detrimento de outros detalhes. E esse é o objetivo, “puxar-nos” para o ponto de vista das personagens, envolver-nos com os ambientes. Exercício conseguido.
No conjunto, uma boa leitura que poderá não ser para todos, pois tem momentos muito duros. Realistas, mas desagradáveis, perturbadores.
Uma BD longa, mais de 120 páginas. O dossier histórico no final é interessante. Editado pela Philéas.
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