quarta-feira, 20 de julho de 2022

As opiniões de Miguel Cruz sobre: "Automne en Baie de Somme", de Alexis Chabert e Philippe Pelaez; "Spirite – Tome 2: Obsession", de Mara e "Sprague", de Rodolphe e Roman

Aqui ficam três opiniões de Miguel Cruz sobre:


Automne en Baie de Somme

Uma capa bonita e bem pensada é sempre uma capa eficaz. E a capa deste “Outono na Baía de Somme” é muito, muito eficaz.

A capa e os desenhos são da responsabilidade de Alexis Chabert, de quem não conhecia absolutamente nada, embora agora identifique que foi o autor de uma outra capa que há alguns anos quase me convenceu… mas não. Passemos à frente.

Philippe Pelaez é o responsável pelo argumento e, confesso, também se registava como desconhecido nas minhas leituras. Até agora, pois esta é uma BD muito recomendável.

A ação desenrola-se no final do Século XIX, em França, na Baía de Somme, um pouco a sudoeste de Calais (e de Dunkirk), no topo norte de França, Canal da Mancha. Ao ser encontrado um barco encalhado, é nele descoberto o corpo de um homem, um importante industrial, Alexandre de Breucq. Rapidamente se descobre que se trata de um crime, pois de Breucq foi envenenado, e que a sua morte foi longa e sofrida.

Quem terá cometido tão atroz crime? Para o descobrir, é destacado o mais famoso detetive Parisiense da época Amaury Broyan. Mas a investigação não é fácil. Apesar de ser um rico industrial, Alexandre de Breucq era apreciado, e não se identifica quem poderia ter uma razão para o matar. Claro que a sua mulher e herdeira tira vantagem financeira da sua morte, e talvez tivesse motivo, uma vez que, descobre-se, havia também uma amante. No entanto, a viúva é um osso duro de roer, rica, de boas famílias, influente. 

Já a amante, Maude, que por ser ruiva era apelidada pelo amante de “Automne”, e cujo ganha-pão é servir de modelo a diversos pintores, é uma personagem que tem muito por onde explorar.

Uma investigação policial. É disso que trata, e bem, esta BD. Um mistério explorado na França de fim de século, bem caracterizado do ponto de vista social, na relação entre as elites poderosas e a turba de pobres, que vive essencialmente nos arredores de Paris, e que trabalha no crescimento e desenvolvimento daquela grande (e de outras) cidade: os Apaches, como eram apelidados. Ahhh, a Belle Époque.

Um desenho elegante, pranchas com geometrias variáveis e perspetivas interessantes, cores luminosas, numa história aparentemente tradicional, credível e bem estruturada, plena de crítica social e de caracterização de época. Uma bela surpresa, editada pela Bamboo.





Spirite – Tome 2: Obsession

Tudo começa em 1908, na Sibéria. Uma explosão misteriosa devasta completamente uma grande área causando um número indeterminado de vítimas. O professor Boris Voynich sente-se culpado de não ter podido evitar as mortes, sem que percebamos exatamente o que se passou.

Nesta altura, um “fantasma” chama a atenção do Professor para um abrigo subterrâneo onde se encontra uma criança: Marléne. O “fantasma” era a mãe da criança, uma das vítimas do “acontecimento”, que após ter cumprido esta sua última tarefa, se “dispersa”. 

Vinte e três anos mais tarde descobrimos, em Nova York, Ian Davenport, jovem investigador em “espiritologia”, a levar a cabo as suas experiências, e a testar algum equipamento que lhe permite encontrar e escutar fantasmas de níveis 1 a 10 (sendo o 10 o chamado nível teórico, porque nenhum exemplar alguma vez foi identificado). Ian quer divulgar as suas descobertas, mas o seu mentor Boris Voynich não lhe permite, porque o mundo não está preparado para conhecer a verdade…
É então que Boris é assassinado por Arroway, que é um fantasma… nível 10, por algo relacionado com o que aconteceu na Sibéria. E Arroway mata todos os investigadores que estiveram presentes no local em 1908, e consegue ainda matar Marléne (enfim, mais ou menos).

Ian Davenport tenta contrariar os planos de Arroway, com a ajuda de uma inicialmente contrariada, cética (cada vez menos) e ex-incrédula jornalista do “paranormal”, e de uma antiga aviadora Mary Pickett. E, neste contexto todos procuram Eisenstern. Quem é Eisenstern, e o que se passou na Sibéria em 1908?
A resposta à primeira pergunta surge no segundo tomo da série Spirite, que acaba de ser publicado pela Editora Drakoo. Quanto à resposta à segunda, ela está prometida para o terceiro tomo de um total de quatro anunciados para esta série.
Há um ligeiro piscar de olho a “Ghostbusters” mas, citando os grande Monty Python, “ando now for something completely different”.

Esta série foi uma surpresa enorme e positiva. Por vários motivos. Porque a temática é, apesar de tudo, interessantemente nova, porque a abordagem é claramente inovadora, porque a narrativa é muito interessante e muito bem construída, misturando investigação policial com trabalho jornalístico, com sobrenatural, porque os diálogos são surpreendentemente cativantes, porque o desenho é muito limpo e elegante, o conjunto é pleno de ação, movimento e expressividade, e finalmente – um detalhe irrelevante, reconheço – as capas são fantásticas com o seu debruado a dourado.

A autora, Mara, tem aqui um trabalho muito interessante, sendo o primeiro que lhe conheço. Da minha parte, aguardo os dois tomos seguintes, que espero que sejam tão cativantes quanto os dois primeiros.




Sprague
Lá venho eu novamente com uma BD de Rodolphe…E com um encolher de ombros reconheço que este autor “produz” a um ritmo notável. Este ano, se não perdi nenhum, já lá vão seis BDs editadas com a sua autoria, sendo que já aqui mencionei Iruéne (Com Griffo) e Scotland (com Leo e Marchal). 

Neste caso os desenhos ficam a cargo de Olivier Roman, autor de quem já não ouvia falar há alguns anos, mas de quem até 2009 segui fielmente a série Harry Dickson – 13 tomos, uns bons, alguns muito bons, outros antes pelo contrário, mas sempre com um desenho excelente.

É isso que começamos por notar nesta BD, desde logo na capa. O extraordinário desenho. Na capa, aliás, muitos dos elementos da história ficam resumidos: dois irmãos que vivem numa cidade costeira, de um planeta não identificado, que são especialistas em “subir nos ares” para perscrutar o horizonte, são confrontados com alguns eventos muito estranhos: a segunda lua aparentemente desapareceu, e o mar já não banha a cidade.

As preocupações são muitas, pois a água começa a escassear, bem como diversos meios de sobrevivência desta cidade piscatória. Por mais alto que os dois irmãos subam, o mar não se vislumbra. Duas expedições são enviadas por terra (claro, então… o mar já lá não está) para verificar o que se passa. Nenhuma dessas expedições voltou, o que fez com que os responsáveis da cidade não permitam a ninguém correr mais riscos… Um impasse.

Os dois irmãos decidem então partir às escondidas, e para o efeito convencem um quase cego, mas muito hábil, capitão de um navio anfíbio a conduzi-los à aventura. Este capitão aceita como pagamento um raro conjunto de livros (roubados à biblioteca da cidade, onde estavam a ganhar pó) que lhe são lidos pelo seu papagaio.

Acompanhamos, pois, esta extraordinária viagem, a descoberta que os irmãos fazem, a libertação da água, e a evolução destas duas personagens, numa aventura que, sendo de tema muito diferente, me faz lembrar alguns elementos das séries de Schuiten e Peeters.

Os desenhos são extraordinários, a ambiência e as cores são notáveis, nesta história melancólica em que a esperança permanente está sempre em destaque, o pensamento e a atitude são positivos, o olhar para o futuro é confiante.
Um belo álbum, das edições Daniel Maghen, muito agradável, para leitores de todas as idades.


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