terça-feira, 19 de setembro de 2023

A opinião de Miguel Cruz sobre "Chumbo", de Lehmann - edição Casterman


Chumbo

Quentinho, quentinho! Acabado de sair, tive a sorte de o receber rapidamente por portador (obrigado, obrigado, e com tantas páginas, a BD pesa chumbo!!!), e de a ele me dedicar sem delongas…

E agora, nem sei muto bem como caracterizar este calhamaço que não chega às 400 páginas, mas que não ficou longe. 

Matthias Lehmann é o autor, habitualmente dedicado a ilustrações e histórias curtas (geralmente) satíricas em jornais, revistas e fanzines. No ano de 2000 publicou “A semana passada” na Primata Comix da editora Polvo, e depois de alguma pesquisa descobri onde já tinha “dado por” este nome: uma revista francesa que adquiri chamada Pandora. Enfim, isso é pouco relevante, sendo que o seu estilo de desenho semi-realista com o seu quê de “estilo Robert Crumb” é difícil de descrever e de caracterizar, exceto para dizer que é bastante expressivo e simpático de acompanhar, nada maçador porque ao longo do tempo (e, portanto, das páginas) muito se vai alterando, como se o estilo de desenho acompanhasse os anos ao longo dos quais a narrativa se espraia, incluindo os “anos de chumbo” de repressão. Contém momentos mais próximos da BD, momentos mais próximos da ilustração, momentos mais próximos da arquitetura, e vários que são uma mistura de tudo isto. O desenho é a preto e branco, já agora.

Passado no Brasil, vamos acompanhando uma família que é testemunha, por vezes interveniente, de acontecimentos históricos, de variações de contexto económico e de alterações sociais significativas, principalmente através de dois irmãos com convicções ideológicas, personalidades e posições de vida totalmente distintas: Severino e Ramires Wallace, filhos de Oswaldo Wallace, proprietário mineiro autoritário, que permite aos seus filhos uma juventude razoavelmente folgada, mas intensa de experiência sociológica.

A violência está presente, os maus instintos também, o que tornam Chumbo uma leitura (ia dizer pesada, mas é melhor não, outra vez não!) densa, difícil, que não nos poupa, num retrato que se pretende completo em extensão temporal e em ilustração social e política. É um exercício de grande fôlego, a complexidade dos acontecimentos torna a leitura mais demorada e exigente em determinados momentos, com uma grande quantidade de texto, e fácil noutros momentos em que domina um certo voyeurismo.

Esta é uma BD surpreendente – não sei se o autor tem alguma história familiar no Brasil, mas deve ter alguma ligação, certamente – e impressionante. Não se lê rapidamente e acredito que suscitará reações ou posicionamentos emocionais e intelectuais distintos. Não será uma leitura para todos, pois nem todos terão interesse no assunto (embora se trate aqui quer de política, violência, corrução, sexo e até futebol, pois então), e alguns poderão não ter estômago para alguma crueza de violência. Mas é uma aposta de qualidade da Casterman.

Nota: De referir que já tínhamos aqui apresentado esta novidade no passado dia 5 de Setembro que podem ver em: 

https://juvebede.blogspot.com/2023/09/novidade-casterman-acaba-de-lancar.html





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