terça-feira, 12 de setembro de 2023

A opinião de Miguel Cruz sobre: "Une Révolution Nommée Raspoutine", de Migoya e Carot e "Un Tournage en Enfer - Au Cœur d’Apocalypse Now", de Silloray

 


Une Révolution Nommée Raspoutine

A editora Glénat lançou muito recentemente um one shot baseado nessa personagem tenebrosa que foi Raspoutine. Pretendendo ter uma base histórica sólida, apesar de reconhecer “a sombra” da confusão entre realidade e mito que continua a pairar sobre a personagem, esta BD atrai-nos em primeiro lugar pela sua capa e pelo seu excelente desenho realista.

Tudo é excessivo nesta BD: o comportamento do depravado Rapoutine, as reações, as cores… O argumento é do espanhol Hernán Migoya (de quem conhecemos pelo menos “Tatuagem” e “A Solidão do Executivo” da série Pepe Carvalho) e o desenho é do seu compatriota Manolo Carot.

Acompanhamos, essencialmente através dos olhos de uma muito jovem, inteligente e corajosa rapariga, que recorre a Raspoutine para tentar inverter a forçada migração dos seus pais judeus, uma pequena tranche da vida do “monge louco” em 1916, numa fase já bastante próxima da revolução bolchevique.

A BD apresenta o retrato possível do comportamento de um terrível aproveitador e predador, da sua relação com um grupo de pessoas que a ele recorre na expectativa de obter um favor (sussurrado à orelha dos próximos do Czar) ou de um milagre, ao mesmo tempo que relata, através de discursos reais, o que na Duma se discutia sobre esta figura. A sua relação com a mulher e as filhas do Czar, as histórias e boatos que corriam, as daninhas figuras que se movimentavam por trás de Raspoutine, a sua perigosa associação a movimentos próximos da Alemanha, e as conspirações para o assassinar, tudo isso é abordado ao longo deste interessante álbum.

A base da narrativa é real e bibliograficamente fundamentada. Muitos detalhes são, necessariamente, romanceados, mas de modo consistente e credível. Toda a história é construída em torno do fascínio e do horror que Raspoutine suscitava, talvez não releve suficientemente todo o mal que esta figura causou, mas é claramente dirigida a leitores que tenham curiosidade e limitado conhecimento sobre aquele período da história da Rússia. 





Un Tournage en Enfer - Au Cœur d’Apocalypse Now

Sim, sou um confesso apreciador desse grande filme Apocalypse Now. Como qualquer fã desse (e de outros) filmes de Francis Ford Coppola, conheço medianamente as vicissitudes da rodagem do filme, em 1976 nas Filipinas. E como qualquer admirador do realizador e do seu trabalho, vi o filme documentário Heart of Darkness sobre o “inferno” que foi conseguir realizar este filme. Publicado agora pela Casterman, e da autoria de Florent Silloray, Un Tournage en Enfer constitui uma adaptação desse filme documentário.

Não se trata de uma cópia exata do documentário, mas sim de uma recolha organizada de histórias e eventos, sendo que apesar de tudo a minha reação, estou certo de que como do(a) leitor(a), foi obviamente: “para quê? Já conheço a história”. De qualquer das formas, sempre se dirá que estas cerca de 160 páginas serão muito interessantes para todos aqueles que, sendo admiradores de BD, não conheçam (ainda!) pelo menos o “behind the scenes”.

O que é certo é que a leitura desta novela gráfica contrariou qualquer excesso de racionalismo autojustificativo fundado na necessidade de selecionar as leituras e a quantidade de calhamaços acolhíveis por uma estante de dimensão razoável… constituiu um (longo) momento agradável, com vários sorrisos (cúmplices?) resultantes de um simpático revisitar e refrescar da “lição dada”. 

Os desenhos são bastante bons, realistas e com traço muitas vezes quase esboço, num estilo que parece adequado a um guião, sem grandes detalhes, focando no essencial, destacando gestos, ações, movimentos, planos, que constituem o “coração” do que se está a passar na preparação das filmagens.  A sequência narrativa é tão fluída e envolvente que nos sentimos presentes naquele importante momento – ou melhor naqueles longos e longos meses de importantes momentos…

Os diálogos são os necessários, e muito interessantes, num universo impressionante de estrelas, desde o realizador aos inevitáveis Martin Sheen, Dennis Hopper, Marlon Brando, Robert Duvall, e incluindo Eleanor Coppola. Há muitos momentos de narração, mas nunca excessivos, sempre essenciais para a história. A quantidade de detalhes deliciosos que nos são apresentados de uma forma fluída, nunca forçados, é muito elevada.

Em resumo, para conhecedores e para não conhecedores, esta BD é uma leitura recomendável, não será certamente uma obra daquelas que vai ganhar uma quantidade de prémios, mas constitui um trabalho de grande fôlego, bem pensado em todos os seus detalhes, e que demonstra uma admiração forte pelo que aconteceu naquele mais de ano e meio de filmagens, a que se seguiu cerca de um ano de montagem, com um orçamento absurdo para a época, mas que veio a ser um filme premiado e notável. Francis Ford Coppola sobreviveu com dificuldade a Apocalypse Now, eu vivi com satisfação a leitura desta BD.



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