L’Intranquille Monsieur Pessoa
Enquanto aguardamos a publicação em português pela Levoir desta obra de Nicolas Barral, aqui fica um breve comentário da leitura em francês (edição Dargaud).
Tal como já tinha acontecido com um livro anterior “Um Ar de Fado”, o desenho de Nicolas Barral é irrepreensível, cuidado, e notável ao nível de sequência narrativa e composição de página. Além disso, o desenho das ruas de Lisboa constitui quase razão suficiente para ficarmos presos à leitura.
Fernando Pessoa vai morrer, e sabe-o. Acompanhamos os últimos dias do Poeta com detalhe, resignação, bonomia, paz interior, uma vontade de deixar “trabalho meticulosamente acabado”, mas um grande conflito com os seus heterónimos (a forma encontrada para abordar este tema dos heterónimos de Fernando Pessoa, com diferentes personalidades e biografia detalhada é muito curiosa e elegante). Ao mesmo tempo, somos presenteados com alguns flash backs “familiares” do poeta, num todo romanceado com particular sensibilidade e, parece-me evidente, uma grande admiração por Fernando Pessoa e pela sua obra. Uma alma diferente.
Em paralelo, e permitindo uma visão global da personagem, da sua vida, da sua obra, do seu intelecto e da sua sensibilidade, acompanhamos a tarefa de Simão Cerdeira, o jovem que terá de produzir o obituário do Poeta para o Diário de Lisboa. Mais um que estranha o personagem, mas que acaba por se tornar um admirador. Ao fim ao cabo, quem, conhecendo o poeta – e ele já se tornou uma personagem conhecida de Lisboa e dos meios literários – não é por ele profunda e respeitosamente fascinado? Mas o poeta é um homem, figura frágil, tímida e criativa, a quem o abuso de álcool não vai poupar.
Muito bom! Da Dargaud, merece o destaque e será, com naturalidade um dos livros do ano e, certamente, um dos que dirá mais à leitora e ao leitor português. Esperemos que a edição na nossa língua, na língua de pessoa, seja muito cuidada. Curiosamente, não o posso deixar de dizer, como admirador Pessoano que sou – não o somos todos? – não consegui evitar uma tristeza enorme com o relato do desaparecimento – demasiado cedo, aos 47 anos – deste notável personagem de Lisboa. Sinal da profundidade de tratamento de Nicolas Barral que, verdadeiramente, nos transporta para a realidade de 1935.
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