Agora sim, ACBD!
Por Miguel Cruz
E o grande prémio da Associação de jornalistas e críticos de BD deste ano foi para: “Deux Filles Nues” de Luz (Rénald Luzier), editado pela Albin Michel.
Não consigo fazer aquelas afirmações de que “é merecido”, pois o exercício é comparativo com muita coisa que não li, e com outras que li e de que gostei. Mas que é uma excelente obra, sem dúvida que é! Já agora, desculpem-me o atrevimento de recomendar a leitura do premiado pelos especialistas.
Este one shot tem como título “Deux Filles Nues” que é o título dado a uma tela de Otto Breslau, realizada em 1919 num bosque dos arredores de Berlin, e cuja evolução ao longo dos anos vamos acompanhar, curiosamente sem nunca a ver, como fio condutor para uma excelente descrição dos anos negros e duros da ascensão do nazismo, e a subsequente tomada de poder e depois a guerra na Europa.
O quadro passa de Otto Breslau para Ismar Littman, um jurista de renome, mas de origem judaica, que acaba por se ver espoliado dos seus bens, num processo de crescente agressividade e brutalidade.
A descrição não apenas das deportações, da situação judaica, do roubo generalizado e particularmente do esbulho de obras de arte, mas também da política nazi relativamente à arte, ou melhor, à arte adequada para as massas arianas, é a base desta BD de Luz. São mais de 170 páginas com uma narrativa envolvente, interessante, excecionalmente bem documentada, com muito detalhe, um desenho expressivo, uma excelente composição de página, num estilo que se percebe derivar da caricatura, do desenho satírico.
Curiosamente (já tinha ouvido falar do autor, mas nunca tinha lido nada que tivesse publicado, exceto alguns desenhos satíricos em revistas), fiquei recentemente, e já depois de ter lido a BD, a saber que Luz fazia parte da equipa da revista Charlie Hebdo que enfrentou a situação trágica de um ataque jihadista, há quase 10 anos. Li também que Luz estava atrasado para a conferência de redação que foi objeto do ataque.
Admito que seja verdade, e segundo parece a situação não foi indiferente como inspiração para este livro crítico da instrumentalização da arte por forças, movimentos.
Não será, confesso, o livro de BD que escolheria como mais marcante este ano, mas é um livro que deve merecer a nossa atenção.
Sem comentários:
Enviar um comentário