Les Évasions Perdues
No entanto, ao contrário do que foi realizado por Tardi, a personagem central não é o pai de Legrand, mas uma personagem fictícia de nome Jacques Leboy. Não faço ideia de quais as reais razões para tal escolha, mas para mim a indicação é clara: tal permite uma liberdade grande, nomeadamente para dar uma maior amplitude à narrativa.
O desenho é muito inspirado na linha clara, e a leitura é muito fácil.
O campo em causa, no leste da Europa, tinha características especiais: era um campo de (re)educação negociado entre os nazis alemães e as autoridades de Vichy para acolhimento dos aspirantes a oficiais do exército francês, com o objetivo de formar uma elite futura, com os necessários valores morais.
A narrativa é baseada no relato da situação e da vida do campo, num conjunto de evasões, ou melhor, de tentativas de evasão, mas essencialmente na abordagem, através da personagem principal e da sua relação com outros personagens no campo, aos valores morais em discussão, e numa crítica política ao colaboracionismo de Vichy.
Ou seja, efetivamente, não se pode dizer que estejamos perante uma aventura alucinantemente emocionante. Não. Estamos perante um documentário e uma crítica política interessante, um relato de um episódio histórico menos conhecido. Informativo.
M-A-D t.1
Aí temos uma nova série de ficção científica. M-A-D foi anunciada como sendo uma série para três tomos, para já, veremos depois qual a reação do público.
O tomo 1 tem o título de “Un Empire de Rouille”, ou seja, um império de ferrugem, o que é significativo para a caracterização do universo que começa nele a ser desenvolvido: corpos de metal que acolhem consciência humana, ou, numa visão mais crua, humanos aprisionados em corpos de robots. De facto, a base da história é a de que os humanos da época criam um exército de servidores que são efetivamente humanos, mas com corpos de robots. E acompanharam essa criação de um código que estabelece as regras básicas de obediência de seres “inferiores” aos seus “criadores”. E para garantir o adequado nível de subserviência, cada um destes “psybots” está ligado à consciência de um soldado humano, por sua vez adequadamente doutrinado.
É através desta relação de parceria permanente humano-psybot que se procura evitar uma consciência individual, um espírito crítico, e algum tipo de desobediência ou germe de revolta. Só que, por vezes, duas cabeças pensam melhor que uma… E esta aventura passa-se num período em que os humanos estão em elevado perigo de desaparecimento na sequência da sua guerra com os Organismos Artificiais Autónomos.
Trata-se de uma variação sobre temas bem conhecidos, com uma camada de modernidade, de atualidade, de preocupações recentes. Mas o exercício, pelo menos para já, veremos os outros tomos, mostra-se atraente, quer ao nível do desenho agradável e elegante, com boa composição de página e foco na ação, quer ao nível da narrativa, rigorosamente construída, credível, com uma boa profundidade de caracterização das personagens, e, repete-se, por enquanto, sem exageros nem moralismos fáceis.
Os autores Nicolas Jarry (argumento, sendo de dar nota de que este autor tem andado há uns anos por terras de anões, dragões, feiticeiros e ogres, e não apenas de ficção científica) e Thomas Legrain (desenho – haverá quem se recorde de “Sisco” uma sua interessante série que durou cerca de 10 anos), apresentam aqui um trabalho cuidado, bem pensado e que se encaixa bem nas preocupações que vamos tendo sobre alguma tecnologia e os limites da IA. Não é uma BD de ficção científica que transforme os cânones do género, mas constitui uma leitura agradável, inteligente e consistente.
Ah, já agora: M-A-D vem de Mechanical Assault Division. 71 páginas densas, editadas pela Lombard.
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