domingo, 8 de maio de 2022

As opiniões de Miguel Cruz sobre: Pigalle, de Arroyo e Christin; Jazzman, de Jop; Lefranc 32 - Les Juges Intègres, de Alvès e Corteggiani e Angel Wings 7: Mig Madness, de Yann e Hugault

Aqui ficam quatro sugestões de leitura com as opiniões destas edições em francês, como habitual por Miguel Cruz. Bom fim de semana! 






Pigalle, 1950

Valérian, A Caçada, O Cruzeiro dos Esquecidos, As Falanges da Ordem Negra, O Navio de Pedra, Lena, Orwell, são alguns dos livros de Banda Desenhada publicados em Portugal e de que “a pena” de Pierre Christin está na origem. Este argumentista, que foi também jornalista, pianista de jazz e académico, que já passou os 80 anos, teve o seu primeiro sucesso na Banda Desenhada, em 1967 com o seu colega Mézières: chamava-se Valérian.

Pierre Christin trabalhou, para além de Mézières, com Annie Goetzinger, Bilal, Tardi, Boucq, Moebius, Labiano, Aymond, Juillard, Cabanes e tantos outros. Tem uma obra notável.

Desta vez, a sua parceria é com Jean-Michel Arroyo, que conheci com uma série (nunca terminada) muito interessante chamada Le Paquebot des Sables, mas que se tornou particularmente conhecido por ter sido um dos escolhidos para continuar a desenhar a série Buck Danny (Classic). A sua qualidade de desenho, clássico, detalhado, com uma estrutura narrativa muito cuidada, boa representação das ações, excelente ilustração das emoções, é bem conhecida.

Em Pigalle, 1950, o elemento principal é, sem dúvida, o amor a Paris, a uma Paris da década de 50, a representação da vida em certos quarteirões da cidade. 

Antoine é um ingénuo recém-chegado a esta Paris, após ter decidido abandonar a sua Aubrac de nascença, farto das tarefas rurais que vinha desempenhando. Acolhido por um seu primo, dono de um café, fornecedor de carvão e de bebidas alcoólicas (entre outras coisas) de vários estabelecimentos de Paris, Antoine vai-se adaptando e aprendendo a desenrascar-se, tornando-se um “indispensável” do cabaret “La Lune Bleue”. Cai nas boas graças do seu patrão Le Beau Beb, é “adotado” por Sam o barman, por Poing Barre o “segurança” e por Parebrise o “contabilista”, e cai nas boas graças de Mireille, a vendedora de cigarros e de Olga, a misteriosa vedeta principal.

O cabaret “La Lune Bleu”, é frequentado por várias personagens de “ramos de atividade” diversos, e nele desenrolam-se alguns “negócios”, que Antoine vai conhecendo e dando-nos a conhecer, e a sua proximidade a um mundo perigoso vai aumentando, o que vai acabar por mudar radicalmente a sua vida. 

A história prende-nos e os desenhos, num tom sépia, servem muito bem o ambiente de uma Paris de há 70 anos atrás. O desenhador fez um trabalho extraordinário, ainda mais detalhado no final da BD, com várias páginas duplas de imagens da Paris onde se desenrola a ação, mesmo se num caso ou noutro a tentativa de mudar as perspetivas possa parecer exagerada. 

A leitura é muito agradável, e o meu único senão seria, num momento em particular, ter um pouco mais de desenvolvimento que permitisse uma maior profundidade ao sentimento de nostalgia com que se fecha o álbum. Trata-se, no entanto, de um One Shot, com 125 páginas, muito interessante, certamente uma obra marcante neste ano de 2022, na coleção Aire Libre da Dupuis.





Jazzman

Jazzman é uma história de memória e de gosto pela liberdade.

Jop, o seu autor tem aqui um primeiro projeto de grande fôlego, não principalmente pelas mais de 140 páginas, mas pela profundidade de uma história cativante, que mistura realismo e crítica social, com fantasia pura, num todo muito coerente, atrativo e interessante. Lê-se de um fôlego, é muito agradável.
Esta BD, a preto, branco e tons de azul, conta, em pequenos capítulos, cada um com o título de canções de referência (de Nina Simone a Miles Davis, passando por Ella Ftzgerald, entre outros), o deambular de dois seres curiosos: Um ex-barman com um grande nariz e um elegante bigode, com problemas de memória e em busca de referências do passado e um músico/saxofonista de jazz que tenta afogar o seu passado, e toda a sua vida nos bares da cidade, não apenas a tocar, no álcool.

Estas duas personagens cruzam-se, na cidade de New Story – e particularmente, num quarteirão votado à demolição, e onde viveram grande parte da sua vida – com outros vestígios do passado, entre os quais uma cantora de jazz, Lady Taylor, com quem o saxofonista Birdy Jones Carter teve uma relação passada, e a sua filha, de quem Carter descobre ser pai.

Billie, a filha dos músicos de Jazz é extremamente ativa, dedicada à bricolage eletrónica, e uma verdadeira ativista por valores diversos, e pela liberdade, o que leva a uma “confrontação” com o jovem e galã Mayor da cidade. Billie e os seus dois acompanhantes tudo fazem para manter vivas as emissões musicais da sua rádio pirata, numa cidade onde a única frequência de música é a de que o Mayor é dono escolhendo gostos e condicionando a população.

Não é fácil descrever esta história, e à primeira vista (e após leitura da primeira meia dúzia de páginas) pode parecer que ela é estranha e/ou uma mera fantasia. A qualidade da sequência narrativa, o bom dimensionamento de cada um dos episódios, e a agradável e envolvente história, com um final credível e extremamente bem conseguido, tornam esta BD um caso sério de chamada de atenção social e de sensibilidade no estabelecimento de relações entre personagens tão distintas. 

Na capa estão representados Birdy Jones Carter e Billie. Uma boa aposta da Editora Albin Michel num autor jovem, e com uma edição de cuidada qualidade.



Lefranc 32: Les Juges Intègres

Dediquemo-nos hoje a um dos muitos “clássicos” que os editores da BD Franco-Belga continua a “espremer”, alguns com maior qualidade e outros verdadeiramente para esquecer. Jacques Martin, que esteve na Amadora, foi um dos Grandes da “época de ouro” da Banda Desenhada, tendo colaborado com Hergé, e sido contemporâneo de Jacobs, Roger Leloup, Paul Cuvelier, Craenhals, Bob de Moor, etc. Nosso bem conhecido do Tintin português, deixou obras de referência que perduram até aos dias de hoje com outros autores (o próprio estimulou a colaboração com jovens autores, até pelos problemas que sofria, nomeadamente de vista), como sejam Alix ou Lefranc ou ainda Jhen (Xan nos dois primeiros tomos). 

Foi na série Lefranc (criada em 1954), que continuo a acompanhar sem falhas, que mais recentemente foi publicado o tomo 32, Les Juges Intègres, da dupla Alvès e Corteggiani, sendo que em maio sairá o tomo 33 (Le Scandale Arès) da responsabilidade de outra dupla de autores.
Lefranc é um jornalista detetive que, tal como Tintin, se excluirmos a aventuras nos sovietes, creio nunca o ter visto escrever uma linha, embora Lefranc seja visto várias vezes na redação do seu jornal parisiense. Já Ric Hochet só é criado quase 10 anos mais tarde.

Este tomo 32 inicia-se com o roubo de um painel do retábulo (originalmente) dos irmãos Van Eyck na Catedral Saint Bavon en Gand, que nos remete imediatamente para um filme chamado Monuments Man. O problema é que é do conhecimento geral que a obra roubada é uma “cópia” uma vez que a original desapareceu. Então para quê roubar uma cópia? E toda a aventura se desenrola em torno de um universo de falsificação e de obras de arte roubadas, entre elas, Les Juges Intégres novamente dos irmãos Van Eyck, e que dá título a este tomo.
 
Trata-se de uma ficção, mas com pormenores históricos reais. A história é interessante, os desenhos são muito fiéis aos de Jacques Martin em aventuras como a mítica Le Mystère Borg (O Mistério Borg que a Bertrand publicou em 1982, e um daqueles livros que li tantas vezes que o “gastei”). O ritmo da aventura é mais lento do que eu gostaria, e existe algum excesso de texto e de explicações, mas no computo geral, são 54 páginas de leitura agradável, particularmente recomendável aos mais saudosos da já referida “época de ouro” da BD. Esta edição é a Casterman.






Angel Wings 7: Mig Madness

Aventuras com aviões são bem conhecidas e fizeram parte da juventude dos que leram revistas na década de 70 e 80 com histórias do Major Alvega e de Tanguy e Laverdure ou Buck Danny. Há alguns anos, Romain Hugault surgiu e fez sucesso como um grande especialista no desenho de aviões e de aventuras com aviões: Do outro lado das Nuvens ou O Último Voo são exemplos publicados em Portugal, sendo que Le Pilote à L’Edelweiss será talvez um dos seus maiores sucessos no mercado francófono.

Yann (Le Penetier), um dos argumentistas mais profícuos do mercado editorial franco/belga, e que em Portugal conhecemos, por exemplo, de Spirou e Fantasio (e que muitos conheceram, deliciados, na década de 90, com Les Innomables, com Les Exploits d’Odilon Verjus e com Pin-Up), tem feito companhia ao desenhador em algumas séries.

É também o caso de Angel Wings, série criada em 2014, e que tem o seu início na fase final da II Grande Guerra, que acompanha as aventuras de Angela, a WASP – Woman Airforce Service Pilote, votada a ser personagem secundária numa guerra de homens, mas que os eventos conduzem a ter um papel de relevo no desenrolar dos combates da zona do pacífico.

Aviões e mulheres bonitas parecem ser a base desta série, de que foi agora publicado o Tomo 7: Mig Madness. No entanto, a força desta BD está no seu realismo. Realismo dos eventos, da geografia, do contexto histórico, enfim de toda a documentação de base, mas também realismo dos aviões (e porta-aviões), das roupas, das insígnias, etc. Os autores fazem gala desse realismo. 
Insisto, o realismo é tão notável que acreditamos com facilidade que todas as aventuras, sabotagens, quedas e salvamentos in extremis aconteceram realmente. E o desenho é efetivamente muito bom, bonito, agradável (apesar da colorização ser muito evidentemente feita a computador), muito detalhado e realista.

No tomo 7 estamos já na década de 50, o contexto é a guerra da Coreia, o ambiente é muito semelhante, os aviões evoluíram um pouco, a geopolítica é distinta e o perigo é “vermelho” e a ameaça nuclear. A nossa heroína, um pouco mais amarga é agora uma temível instrutora numa base aérea da Flórida, e a forma de a voltar a envolver numa operação de alto risco no Pacífico é dar-lhe a conhecer que o seu parceiro, considerado como morto, está afinal prisioneiro do inimigo. E aí vamos de novo.
O desenho é ainda mais realista (por acaso não acho a capa bem conseguida), mais detalhado, excecional. No entanto a história, ao fim de 7 tomos, já é mais rebuscada, ou pelo menos, já não consegue inovar como antes. Em resumo, é uma aventura de aviões, extremamente bem desenhada e documentada. Para quem seja fã do género, que não deixa também de ter um valor documental interessante. Coleção Cockpit da Editora Paquet.

Sem comentários:

Enviar um comentário