Seul le Silence
Seul le Silence é uma BD editada em 2021, mas que só agora tive oportunidade de ler. Gostei tanto, que considerei adequado dar nota da obra aqui.
Com argumento de Fabrice Colin, adaptado do romance de R.J. Ellory, um autor Inglês de romances de mistério e policiais, e com desenho de Richard Guérineau, o desenhador da entusiasmante série “Le Chant des Stryges”, criada no final da década de 90.
Esta BD é passada essencialmente numa américa rural e depois numa Nova York da década de 50, e a sua história atravessa mais de três décadas.
Um jovem miúdo acompanha de perto a descoberta de corpos mutilados, consequência da atividade de um assassino em série, que ataca, viola e assassina com particular brutalidade crianças do sexo feminino.
Joseph, um jovem dotado para a escrita (que chamou a atenção da sua professora), e que perdeu o seu pai relativamente cedo, tendo de ajudar a sua mãe numa vida de sobrevivência, acaba por ver o seu mundo perturbado e a sua vida familiar destruída. A sua mãe enlouquece, as suas relações pessoais são difíceis, e a morte das suas duas paixões deixam não apenas marcas psicológicas importantes como acabam por o levar à prisão. Ao longo de 30 anos, Joseph não consegue deixar de investigar os crimes, numa busca incessante do assassino que, está convencido, continua no ativo, mesmo sabendo que essa investigação está a destruir a sua vida.
Uma história de grande qualidade que retrata muito bem uma época, com diálogos muito bons, e com uma narração envolvente, credível e de boa qualidade literária. Os desenhos realistas em tom ocre são excelentes, o ambiente envolvente muito bem caracterizado e as personagens muito bem conseguidas, sendo ainda importante assinalar a qualidade da representação dos estados de espírito. Tudo é equilibrado e sensível em prol de uma narrativa que nos compromete, por vezes esmaga, e envolve e que nos leva a um fim intuído, mas muito bem conseguido.
Seul le Silence é uma BD da pequena editora Phíleas, cuja capa elegante não nos indica o que nos espera, embora à posteriori se pense: está lá tudo, e que merece a forte recomendação e a expectativa de que os olhos de editoras portuguesas a possam contemplar.
L’ Université des Chévres
Só o título “A Universidade das Cabras” suscita imediata curiosidade. Se juntarmos a isto o facto de se tratar de uma obra da autoria de Christian Lax, um daqueles autores “valor seguro” que nos presenteia com qualidade há mais de 40 anos, e de quem me recordo ter dito um dia numa entrevista que para ele cada obra deve constituir um salto no desconhecido (qualquer coisa deste tipo), está justificada a recomendação.
Fortuné Chabert é um jovem instrutor não diplomado, que percorre os Alpes no inverno, para assegurar a educação dos jovens de aldeias isoladas nos princípios do século XIX. Universidade das Cabras. Entusiasta da educação e da leitura, Chabert acaba por ter de abandonar os seus amados alunos por um lado pelas resistências dos pais à educação que perturba o trabalho a realizar, e pela alteração de legislação que pretende impor a escola pública.
Chabert emigra então para os Estados Unidos, para tentar fazer fortuna como prospetor de ouro, onde se apercebe que não foi feito para essa vida. Acaba então a ser adotado pela tribo de índios Hopi, replicando nesse contexto a sua Universidade – Université des Chévres, e acabando por ter de salvar o seu filho de uma tentativa forçada de educação de jovens índios pelo “homem branco”.
Em 2018, acabamos a acompanhar Arizona Florès, descendente de Fortuné Chabert, jornalista, que se desloca ao Afeganistão, e onde conhece Sanjar, um jovem instrutor itinerante, que percorre vilas a educar as crianças, com a oposição de pais e desafiando interdições do regime talibã.
Sanjar acaba por vir a emigrar para os Estados Unidos, para se juntar a Arizona Florès, e para se incorporar num sistema de ensino que vem sendo marcado por episódios de violência nas escolas.
Esta BD tem uma força notável, e a abordagem à oposição entre a importância da educação, e a ignorância e o obscurantismo, entre o papel essencial da escola e os fanatismos religiosos, políticos e ideológicos, são objeto de tratamento sensível, mas engajado.
O desenho de Lax é realista, de grande qualidade e muitas das pranchas apresentadas são absolutamente magníficas, seja nos espaços brancos dos Alpes ou nos espaços abertos e desérticos dos Estados Unidos, seja nas montanhas do Afeganistão.
A narrativa é muito bem construída, os pontos de contacto entre as várias gerações são muito bem tratadas. É uma obra com objetivos claros, e de grande profundidade intelectual e sensibilidade social. Mas nela não há milagres, apenas o retrato cru da realidade, e o assinalar de uma consciência por demais necessária.
Editada pela Futuropolis, esta BD é marcante, poderosa, elegante e, portanto, mais do que recomendável. Uma leitura que me fica registada.
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