segunda-feira, 10 de junho de 2024

A opinião de Miguel Cruz sobre "Habemus Bastard - Tome 1", de Schwartzmann e Vallée e "La Cuisine des Ogres - Trois-Fois-Mort", de Vehlman e Andréae

 



Habemus Bastard (Tome 1)

Diverti-me bastante. Se calhar não devia. Será pecado?

Divertida, razoavelmente “politicamente incorreta”, esta BD trata da tentativa de Lucien de fugir à ira do seu patrão. Habitualmente encarregue de tarefas desagradáveis e de consequências definitivas – se é que me estão a entender – Lucien tem de desaparecer. Coisas que acontecem, riscos profissionais!

Só que a forma que Lucien encontra para desaparecer dos olhos do mundo (!) é a de se esconder atrás de uma batina e de um título de padre: “Père Lucien”. Seria fácil, se não fosse desconfortável e mais exigente em termos de adaptação do que a nossa personagem central pensava… O seu desconforto torna-se, desde logo, evidente e transparente para o/a leitor/a atento à capa. 

Creio que já perceberam a razão de ser da minha primeira linha deste texto!

Alguma violência, muitas caras feitas, imaginam a comédia de situação. É uma daquelas BD em que é fácil imaginar os autores a rirem-se com o seu trabalho. Muito visual, com um desenho excelente, cores atraentes, enquadramentos muito cinematográficos, e um diálogo e narrações dinâmicos e contemporâneos, este álbum é uma novidade habilmente construída por Jack Schwartzmann (argumento) e Sylvain Vallée (desenho).

Trata-se de um primeiro tomo, que vem “expor a situação”. Veremos se o desenlace permitirá manter o excelente nível desta primeira parte com o título de “L’Être Nécessaire” – o ser necessário – que conjugado com o título da série em tradução livre “Temos Filho da Mãe” nos dá uma ideia de qual o caminho seguido pelos autores.

Schwartzmann não tem muitos títulos de BD no seu “currículo”, já Sylvain Vallée é um conhecido autor, dono de um traço dinâmico, semi-realista, facilmente reconhecível, e agradável, um dos autores em destaque nos últimos anos na BD Franco Belga, nomeadamente pela excelente série “Il Était une fois en France” (“Era uma vez na França”) e que, hélas, nunca viu qualquer obra ser publicada em português. 

Se o segundo tomo tiver a mesma qualidade do primeiro, pode ser que seja desta! Editado pela Dargaud.





La Cuisine des Ogres

Um One Shot editado pela Rue de Sévres, que o classifica no género Fantástico. Eu também, essencialmente porque achei a ideia fantástica!

A ideia e argumento surgem pela mão de Fabien Vehlman, autor de créditos firmados na BD Franco-Belga (recordo-me, como primeira leitura, das divertidas histórias curtas de Green Manor), e de quem apenas me recordo de ver editado em Portugal uma aventura de Spirou que se chamava Os Gigantes Petrificados. Fabien Vehlman é um daqueles autores cujas histórias são marcadas por uma elevada elegância e um sentido de humor refinado.

Os desenhos são de Jean-Baptiste Andréae, dono de um bonito traço, compositor de ambientes oníricos detalhados e rebuscados, habituado a desenhar ogres e outras criaturas fantásticas com sensibilidade e magia.

Creio que a melhor imagem que posso passar desta BD resulta da impressão que fica de que os autores se divertiram bastante a compor este álbum. A ideia base é muito simples: O mundo dos Ogres existe. Os Ogres têm de se alimentar. Para tal têm um conjunto de “fornecedores” habituais. Um desses fornecedores recolhe um conjunto de órfãos para abastecimento da cozinha. Uma dessas órfãs chama-se Blanchette, embora vá ficar conhecida como Trois-fois-morte (morta três vezes). Ora Blanchette vai sobreviver ao processo de preparação alimentar dos Ogres, safar-se de situações difíceis, e tentar salvar alguns amigos.

Descobrimos os bastidores da cozinha dos ogres, com um batalhão de criaturas que organizam, cozinham, lavam, varrem, arrumam, etc, etc. Tudo bem organizado, ao mais ínfimo detalhe, pelo menos até à areia na engrenagem chamada Blanchette vir perturbar tão “fina” organização.

Sangue, tripas, um conto de fadas versão gore, esta aventura é tão inquietante quanto divertida. Algumas personagens são simpáticas, mas o conjunto é ameaçador, neste universo coerente, interessante, imaginativo, respeitador de algum do folclore habitual dos contos de fadas, mas fortemente original.
O desenho, acreditem, é mesmo muito bom – na sua versão feérica muito ajudada pela aplicação de cores diretas – e o ritmo narrativo é envolvente e entusiasmante. É verdade que o humor é, essencialmente, muito negro, mas a leitura é verdadeiramente agradável. 

Não se recomenda a crianças!






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