quinta-feira, 7 de novembro de 2024

A opinião de Miguel Cruz sobre "Madeleine Résistante - Tome 3", de Morvan, Riffaud e Bertail e "Thorgal Saga 3 - Shaïgan", de Yann e Shurzhenko

 


Madeleine Résistante - Tome 3

Tenho aqui feito questão de acompanhar a série Madeleine Résistante, de que recentemente saiu o tomo 3 (e último?) com o título de Les Nouilles à la Tomate, essencialmente por estar convencido de que se trata, não apenas de uma edição de extraordinária qualidade em cada um dos tomos, mas também de um testemunho que faz desta série, na minha opinião, um dos incontornáveis da BD contemporânea.

A responsabilidade do desenho cabe a Dominique Bertail (bem conhecido, mas creio que em Portugal apenas temos o seu contributo para Go West Young Man). Desenho realista, detalhado, excecional na qualidade do traço e no tratamento narrativo, nas perspetivas, nas emoções, no tratamento do desenho em tons de azul.

Já o argumento é da responsabilidade de Jean-David Morvan (em português já temos “Senda”, “Conan o Cimério”, Spirou e Fantasio), que o preparou como resumo das conversas que foi tendo com Madeleine Riffaud, a própria resistente que dá título à BD. Efetivamente, a série é apresentada como uma autobiografia, relatada pela própria (claro, senão a biografia não era auto…), e isso constitui elemento essencial na sinceridade, pureza e originalidade do trabalho. Madeleine Riffaud, aliás, relatou o seu período de resistência em livros que foi publicando ao longo dos anos.

O tomo 3 da série, aliás, é publicado no ano em que Madeleine fez 100 anos, o que permitiu diversas exposições e conferências em França, e relata o período de detenção e tortura daquela resistente, conduzindo-nos até ao período da libertação.

Relato absolutamente fantástico não apenas desta resistente, com acontecimentos rocambolescos, situações muito duras (mas em que sabemos à partida que a personagem sobreviveu) – ela própria muitas vezes sem saber bem como – como dos bastidores da resistência, já para não falar da condição humana, dos valores, da empatia, do sofrimento, da resistência.

Editado pela Dupuis, toda a série é consistente na qualidade, lê-se bem embora relate um período particularmente difícil de aceitar da história da humanidade. A sua leitura é absolutamente E-S-S-E-N-C-I-A-L para quem gosta de história, para quem gosta de boa narração, para quem gosta de BD.

A imagem apresentada na capa passa-se já após a libertação de Madeleine e em período de Libertação de Paris.




Thorgal Saga 3 - Shaïgan

Publicado em Francês no mês de agosto deste ano, o terceiro tomo da saga Thorgal – uma série criada fora da coleção principal com o objetivo de permitir total (?) liberdade a autores para darem o seu contributo de “reforço ao mito” através de uma homenagem que deve ser contida num único volume – tem o nome de Shaïgan, o que significa que é passado naquele período pouco explorado em que Thorgal se encontra alheio a quem é (de onde vem e para onde vai), e sob o domínio da terrível Kriss de Valnor.

Depois de Robin Recht com um primeiro tomo muito bom (Adieu Aaricia) e do duo Fred Duval e Corentin Rouge com um interessante segundo tomo (Wendigo), chegou a vez do incansável e omnipresente Yann acompanhado de Roman Shurzhenko.

Os piratas de Shaïgan-sem-Misericórdia (ou seja Thorgal-sem-Memória) espalham o terror por onde passam, mas não só o seu chefe está preso a estranhos estados de alma, e a crescer naquilo que supostamente é “sem” (tanto misericórdia como memória), como a sua equipagem se mostra incomodada pelo fraco lucro obtido nas últimas expedições, bem como pela escolha dos últimos alvos de ataque.  

Thorgal, desculpem, Shaïgan consulta um velho com poderes divinatórios, numa tentativa de recuperar a sua memória, e acaba por levar a cabo uma expedição fortemente destrutiva, não para os outros, mas para os seus homens, para a sua relação com Kriss de Valnor e para a coesão da sua equipagem.
Interessante, agradável de ler, a conclusão desta BD vai desembocar no tomo 22 da série original (e um dos melhores na minha opinião): Géants (Gigantes). O desenho de Shurzenko é bom, embora sempre na busca da mimetização do desenho de Rosinsky, o que por vezes nos leva a comparações que seriam de evitar, e o domínio da sequência narrativa não podia ser melhor. A história é bem conduzida, os diálogos surgem sem surpresa. Não há muita originalidade, explora-se novamente a personagem de Thorgal atormentada e em contradição consigo própria, mas a BD é consistente com as muitas e muitas páginas que a antecederam. 

A capa é muito bem conseguida, numa edição, como sempre, da editora Le Lombard.



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