quinta-feira, 4 de janeiro de 2024

A opinião de Miguel Cruz de "La Bête - tome 2", de Zidrou e Frank Pé e "Au nom du Fils", de Corbet, Blaise e Djian

 



La Bête – Tome 2

Nada melhor do que começar aqui o ano com este livro, da autoria de Zidrou e com desenhos de Frank (Pé), foi publicada a segunda parte de La Bête, uma BD já conhecida do público português com a edição na nossa língua do primeiro tomo, pela A Seita, em 2021. Frank Pé, aliás, esteve no nosso país, por ocasião do festival da Amadora, e teve a oportunidade de autografar diversos volumes de “A Fera”!

A primeira parte desta história era imaginativa, e inteligentemente construída, com muita nostalgia à mistura (a presença de personagens reconhecíveis com o rosto de diversos autores de BD, como Franquin, Will ou Morris, é muito bem aproveitada), e o seu desenho era absolutamente magnífico. 

Esta segunda parte mantém a excelência, sendo eventualmente ainda mais humanista e extraordinária que a primeira, e a sua ligação aos primórdios das aventuras do Marsupilami em BD ainda mais evidente.

Esta é uma história – longa, é certo – de declaração de amor ao maravilhoso na BD, autêntica e cuidada, fluída e bonita, para além de uma verdadeira homenagem ao “enorme” artista que foi Franquin. No entanto, aconselho a que os/as leitores/as não imaginem que seja uma história fácil. Ela é muito mais densa, adulta e profunda do que possa parecer à primeira vista.

O Marsupilami num contexto realista seria algo com todos os ingredientes para correr mal. O animal sofre, o animal morde, o animal não aparece como divertido e trapalhão, os houba são limitados, o animal é vulnerável – atentem as marcas da costura no seu peito, na capa. E, no entanto, quer no desenho quer na narrativa, o tom é perfeito, os ambientes são totalmente adequados, a linguagem e a sequência de acontecimentos são credíveis, os personagens são muito bem caracterizados. Ou seja, o exercício pareceria impossível. Os resultados são excelentes, e a BD torna-se incontornável.

Editado pela Dupuis, estou certo de que a sua publicação em português será um sucesso.




Au nom du Fils

Um tema “duro” sob várias perspetivas. O teor do anúncio da publicação pela Rue de Sèvres da BD “Au nom du Fils”, da autoria de Sébastien Corbet (desenho) e Jean-Blaise e Pauline Djian (argumento) não me convenceu (razão pela qual esta BD, publicada em agosto só agora é objeto de comentário – mas porque o merece). Trata-se de um Thriller que tem como base de partida a morte na prisão do filho de Stéphane que, quando dela toma conhecimento, decide ser por sua vez preso para poder investigar as circunstâncias do acontecido e levar a cabo a necessária vingança.

Para além disso, Stéphane perdera o contacto com o seu filho Max há já muito tempo, e vamos ao longo da narrativa tendo mais detalhes sobre a vida de Max e sobre a sua relação com o seu pai. A prisão em causa é na Bolívia (San Pedro) e é autogerida pelos prisioneiros, o que vem acrescentar mais alguns condimentos à história. Aliás, o sub-título desta BD é, numa tradução rápida para português: No inferno da prisão de San Pedro.

Um amigo insistiu comigo em que eu iria gostar da leitura, apesar do desafio das temáticas. E assim foi. Primeira e mais importante nota: a narrativa é conduzida na perfeição pelos Djian, pai e filha (já conhecia algumas obras do pai, nada da filha), sendo envolvente – sentimos a angústia, a raiva e o medo nos momentos certos e adequados – credível (o que não era fácil, com uma ideia base quase inconcebível, mas bem tratada na mudança de comportamentos e capacidade de adaptação, com adequada justificação para tal), misturando momentos de perigo e ameaça, de ação e desenvolvimento da investigação, de introspeção e redenção.

O desenho é bom, o tratamento gráfico cuidado, a ligação entre o ritmo da narração e a sequência apresentada pelo desenhador é quase perfeita. As cores são bem cuidadas, quase nunca exuberantes, sempre bem pensadas em função do contexto. O trabalho de cores é do próprio desenhador de quem, confesso, não conhecia qualquer trabalho. A capa é curiosa… não está mal!

Em resumo, não é um One Shot cor-de-rosa com final feliz, mas lê-se de um “trago”…e bem!



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