sexta-feira, 12 de janeiro de 2024

A opinião de Miguel Cruz sobre "Ceux qui me Touchent", de Bonneau e Marie e "Lapérouse 64", de Bizzarrié, Bollée e Le Roux

 


Ceux qui me Touchent

Uma BD bem recebida pela crítica, tanto quanto me consegui aperceber, fazendo eco do que me referiu um livreiro na Bélgica. Muito interessante, efetivamente, um romance gráfico One Shot diferente do habitual. Fabien é um empregado num matadouro: é um emprego, mesmo para quem estudou artes. A sua mulher é enfermeira, trabalhando em cuidados paliativos. Se tiver de escolher a base da história, diria que se trata de uma narrativa sobre as expectativas de vida e o seu contraste com a realidade. 

A abordagem gráfica, próxima de determinados comics, é realista, com muitas cores, muito vermelho. Acompanhamos este casal, a sua filha plena de imaginação, o seu dia a dia, as suas desilusões, a sua expectativa de mudança, abordamos o tema da desumanização do trabalho, a diferença entre a vida que podia ser e a vida que é, e ainda uma discussão implícita sobre o que é realmente a arte.

Interessante, humanista, esta é uma narrativa em que pouco se passa, exceto um dia a dia cansativo e desgastante.

O desenho é de Laurent Bonneau, sendo esta a BD em que tomei conhecimento com este autor. Damien Marie é o responsável é o argumentista, de quem, há alguns anos li uma BD de título “300 Grammes”.

Escolhido como um dos 15 nomeados para os prémios ACBD (Associação de Críticos) de banda desenhada (confirmando, aparentemente o que referi no primeiro parágrafo), não se trata de uma leitura fácil, mas interessante e que tocará muitos. Confesso que não me “puxou”, seja porque há muitos aspetos cuja “adaptação” à realidade portuguesa não é fácil, seja pelo estilo de desenho, pelo que identifico a qualidade, mas não me reconheço no público alvo. Editado pela Bamboo, na coleção Grande Angle (que editou, por exemplo, a série “A Adoção”, também publicada em Portugal).




Lapérouse 64

O que eu gostei desta BD de pouco mais de 150 páginas, num formato mais pequeno que o habitual!!! É o que se chama começar pelo fim.

Lapérouse é o nome do comandante de uma expedição científica que, um pouco antes do início da revolução francesa, foi encarregue pelo Rei Luis XVI de repertoriar e mapear diversos pontos do globo, e que encontrou um fim trágico e razoavelmente desconhecido no Pacífico Sul. Várias expedições são enviadas ao longo dos anos, numa tentativa de descobrir o que teria acontecido a essa expedição, e embora algumas descobertas tenham sido feitas, não existem provas do que aconteceu ao navio “Boussole” onde seguia Lapérouse. Em 1964 é autorizada uma nova expedição, que inclui a personagem central Guérin, mergulhador experiente, e frequentemente utilizado pela marinha e serviços secretos em missões, digamos… controversas.

Temos, então Lapérouse 64.

Conhecemos Guérin desde a primeira página, as exigências das suas chefias e os problemas de relacionamento pessoal que as suas atividades lhe criam, inclusivamente no relacionamento com o seu pai… a quem a expedição Lapérouse interessa, surpreendentemente (ou talvez não).

As condições climatéricas são exigentes, e a janela de oportunidade de 10 dias para poder mergulhar, cria uma pressão nos membros da expedição que a humidade, o calor, os mosquitos, a presença de uma jornalista com competência no mergulho e a convivência num espaço reduzido entre várias “cabeças duras” não vem aliviar…antes pelo contrário.

Estamos na década de 60, e acreditamos estar mergulhados na década de 60, estivéssemos ou não vivos na altura. O tom da narrativa, o tipo de desenho, o cuidado nas cores, apresentam-nos uma coerência temporal e um aspeto “vintage” muito bem conseguido.

O desenho do Italiano Vincenzo Bizzarrié é muito límpido e legível, num estilo realista muito pessoal e elegante, que em determinados momentos me faz lembrar o desenho de Jijé (se calhar sou só eu). No argumento, um autor já bem conhecido: Laurent-Frédéric Bollée (recentemente teve publicado em Portugal o excelente “A Bomba”) e uma autora mais recente nestas andanças, Marie-Agnès Le Roux. Fazem um trabalho muito agradável e fácil de seguir apesar das “visitas” frequentes aos acontecimentos do Séc. XVIII ou a relatos de expedições anteriores.

Muito agradável e interessante, editado pela Glénat.





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