quarta-feira, 17 de dezembro de 2025

A opinião de Miguel Cruz sobre "Les Cheveux D’Edith", de Dawid, Blanchut e Locarno

 


Les Cheveux D’Edith

Os cabelos de Edith é a nova BD de Dawid, que se segue à premiada Monsieur Apotheoz, e neste caso com argumento de Fabienne Blanchut e de Catherine Locarno. 

Edith é uma jovem judia sobrevivente de um campo de concentração Nazi. Fortemente traumatizada, só é capaz de dormir no chão, não gosta de sair do seu quarto, quase não fala, mas acaba por se abrir com o jovem Louis. Ao longo de 12 dias de maio de 1945, e pelos olhos de Louis, acompanhamos os movimentos juntos e dentro do hotel Lutécia, para onde são encaminhados os sobreviventes desse horror nazi que foram os campos de concentração. Ficamos a saber como são acolhidos, e um pouco da organização associada ao tratamento, identificação e encaminhamento destes sobreviventes.

O jovem Louis, para além de ter de estudar, dado o momento crucial de final do liceu, tenta ganhar umas coroas como faz tudo numa sala de cinema (onde os cartazes anunciam filmes bem conhecidos e reconhecidos), mas impressionado com os rostos dos refugiados e mobilizado pela situação, decide apresentar-se como voluntário no Lutécia.

Os pais de Louis e, particularmente o pai – condutor de elétrico – manifestam-se contra esta possibilidade de colaborar nos trabalhos do Lutécia, pelo que o voluntariado é mantido segredo – durante pouco tempo, como imaginam. 

Com um desenho quente, pleno de gravidade, com imagens emocionantes, e outras de grande dureza, associadas às recordações de Edith, de uma força e agressividade contrastando com a quase doçura das restantes páginas, Dawid dá um ar convincente a um período de 14 dias em que observamos o esforço de reintegração das vítimas, os dilemas de quem não colaborou nem combateu o nazismo, mas fez por viver e fazer viver, as visões de diferentes gerações sobre o que aconteceu, sobre o presente, e sobre como seguir em frente. Tudo isto essencialmente num ambiente parisiense de época, muito bem conseguido.

A narrativa é interessante, cruza muitos temas, e ficamos naturalmente à míngua nalguns, particularmente aqueles que gostam de histórias fechadas, mas o aviso está logo no início: são 12 dias… Na minha opinião estamos perante uma boa BD, bonita e terrível, que não pode deixar ninguém indiferente, insensível. Creio que a BD procura atingir uma amplitude de escalões etários, o que ajuda a justificar que alguns fios narrativos não sejam aprofundados. Os diálogos são muito bem conseguidos, de uma precisão notável, de uma candura de descoberta bem-apresentada.

Publicada pela Dargaud, esta é uma BD que não se vai destacar pelos prémios que vai atingir, mas que merece a menção pela qualidade e pela seriedade do trabalho que lhe está subjacente.



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