segunda-feira, 8 de dezembro de 2025

A opinião de Miguel Cruz sobre "Bug - livre 4", de Bilal e "Helen of Wyndhorn", de King, Evely, Lopes e Cowles

 


Bug - livre 4

Bug - livre 4 ou Enki Bilal “em roda livre”. 

Estamos a poucos dias da publicação em português do quarto tomo de Bug de Enki Bilal. Neste quarto tomo de critica mais ou menos óbvia à digitalização e à dependência humana da tecnologia, continuamos a acompanhar Kameron Obb e a sua memória, agora em Lampedusa, mas infelizmente cada vez mais alheado e tresloucado, enquanto cada vez mais azul. Apenas a sua relação com a filha, a ânsia de poder a voltar a ver e falar com Gemma parece conceder-lhe alguns minutos de serenidade e de ligação à realidade.

As preocupações com os pratos que lhe vão servir, a existência de moreias azuis, cujo sangue vai servir de antídoto para a progressão da dominação digital, mas ao mesmo tempo para uma reação dessa entidade, ao mesmo tempo que as pranchas transitam do azul para o vermelho, e a sua filha se vê em pleno planeta Marte… o que dizer desta BD em que o desenho, as pranchas soberbas, as pinturas de prancha inteira ou mesmo abrangendo duas pranchas, são, claramente a forma de expressão do autor, mais do que a apresentação de qualquer narrativa linear, previsível ou simples de entender. 

Teremos de esperar um pouco mais para perceber de que se trata esta entidade, a motivação dos seus ataques, a razão do seu aparente desdobramento neste tomo 4, o verdadeiro papel que KO (Kameron Obb) poderá vir a desempenhar, como a sua filha se desembaraçará do fardo do seu pai. Quanto à competição de várias entidades pela conquista do poder de memória de KO, também veremos qual a evolução, e o futuro dos peões que procuram colocar no tabuleiro da dominação mundial (da informação? Da segurança? da capacidade operacional?

Não é uma obra para todos, longe disso, mas é uma BD de grande fôlego, com um Enki Bilal a ter prazer em soltar a mão, inundar as pranchas de cor, a explodir graficamente, num conjunto tão atrativo, que não se pode fazer muito mais do abrir a boca de espanto e aconselhar a leitura. 

Confesso que, sabendo ao que ia, optei por uma edição em grande formato – mais difícil de arrumar, mas com uma dimensão mais próxima das pranchas originais que, como de costume com Bilal, vão ser particularmente desejadas. 

Editado pela Casterman e em português pela Arte de Autor.





Helen of Wyndhorn

Vamos lá a um pequeno mergulho no mundo dos Comics. Um pequeno mergulho numa fantasia, um pequeno mergulho num livro de homenagem aos comics de fantasia. Uma pérola que nos mergulha num mundo fantástico.

Lilith Appleton é contratada para encontrar e tornar-se governanta, companheira e educadora de Helen de Wyndhorn. Helen de Wyndhorn é uma jovem órfã, que após uma vida pobre, tresloucada e vagabunda com o seu pai, assistiu ao suicídio deste. C.K. Cole, o seu pai, é escritor de histórias fantásticas, nomeadamente do lendário Othan o conquistador (que viria a fazer sucesso), ensinou a sua filha a beber valentemente, e poucos detalhes lhe contou sobre o seu avô. Barnabas Cole, o seu avô, é dono de uma vasta mansão, com extensos e misteriosos terrenos contíguos, fala pouco, está pouco presente, come que nem um urso, tem pouco frequentes mas violentos acessos de cólera, e estabelece muitas regras que comunica habitualmente através do seu mal encarado empregado faz-tudo Joseph. Joseph, por sua vez, tem um savoir faire em vários assuntos, e acaba por se revelar um apoio essencial de todos os habitantes da mansão. Lilith, um pouco ultrapassada em tudo isto, acaba por revelar uma força e um carácter que a tornam elemento central para a família.

Após um primeiro encontro de Helen e Lilith com uma criatura monstruosa que Barnabas vai acabar por decapitar com uma grande e icónica espada, as duas jovens vão acabando por descobrir o mundo alternativo a que se acede naqueles terrenos, descobrindo ainda que Barnabas Cole é, efetivamente, o famoso Othan, ou seja, que as histórias escritas por C.K. Cole eram mais do que fantasia pulp.
Helen é treinada por Joseph para combater no mesmo mundo de fantasia em que o seu avô construiu a sua lenda. Em paralelo, vemos que, anos mais tardes, uma idosa Lilith levanta o véu destes acontecimentos a um jornalista, e que a verdade desta narrativa vai desaparecendo ao passar de mão em mão. 

Uma narrativa excelente, em que o equilíbrio entre a vida familiar e o papel de herói é a base da narrativa, o questionamento interior e o colocar em causa de verdades adquiridas constitui a fundação de uma história com descoberta de verdades escondidas, motivações e muita aventura. 
Os diálogos são excelentes, bem adaptados à época (essencialmente década de 50), mordazes e elegantes. O desenho é notável, introspetivo e explosivo, art nouveau e grandes espaços, detalhado, trabalhado, exuberante, colorido, atraente. Uma pérola, disse eu no início. Os quadros que marcam a separação de capítulos e que surgem nalgumas páginas são também muito bem conseguidos, centrando-se na personagem de Othan.

Desenho da Brasileira Evely Bilquis, cores do igualmente brasileiro Matheus Lopes, argumento de Tom King. 

Editado pela Dark Horse Comics, publicado no início de 2025. 

Sem comentários:

Enviar um comentário