quinta-feira, 4 de dezembro de 2025

A opinião de Miguel Cruz sobre "Jeremiah t.42 – Les Larbins", de Hermann e "Drome", de Lonergan

 


Jeremiah t.42 - Les Larbins

Esta “opinião” sobre o tomo 42 da série Jeremiah do bem conhecido Hermann, mais não é do que um exercício de admiração pelo autor. Afinal, quem, de todos nós, não gostaria de chegar aos 87 anos (vou continuar, mas poderia ficar por aqui e mesmo assim a frase teria sentido) e continuar a publicar álbuns de banda desenhada, realizados em cor direta, e com um desenho que, apesar de se notar algum declínio na precisão e na atenção aos detalhes, continua a ser impactante?

Hermann, para além disso, continua a ser autor completo nesta série, com a qualidade dos argumentos a variar significativamente, desde o tomo 29 ou 30 entre o banal e o bom (excelente ou muito bom até lá), mas sempre fazendo evoluir e crescer essas notáveis personagens Kurdy e Jeremiah, cada vez mais críticas da vida que os rodeia, marginais conscientes num mundo pós-apocalíptico.

Hermann é um autor consagrado, responsável (ou co-responsável) por Comanche, Bernard Prince, Afrika, Caatinga, Le Diable des Sept Mers, Jugurtha, On a Tué Wild Bill, Les Tours de Bois Maury, Duke, podia continuar e continuar, e continuar. Impressionante. Muitas vezes me pergunto o que o leva a querer manter-se neste universo da BD. Aos 87 anos e com tanto álbum publicado, acredito que seja exclusivamente por prazer.

Jeremiah surge-nos, nas primeiras páginas, como um empregado de mesa no restaurante de um complexo que inclui Casino e Hotel – com o curioso nome de Silly Palace. Kurdy, por sua vez, encontra-se na mesa do canto, junto à porta da cozinha, de onde observa a sala, avalia o ambiente, estabelece uma relação de amizade com outro dos empregados, e come, come, sem esquecer a sobremesa!

Quando uma das raparigas de uma das mesas coloca o seu olhar em Jeremiah, Diky, o parvalhão de serviço (bem, com este nome era mais ou menos óbvio, certo?), sobrinho do dono do local, e uma espécie de terror da zona, com os seus seguidores, resolve tentar humilhar Jeremiah. Como habitualmente as coisas correm mal, e Jeremiah assenta uma tareia no dito cujo. Maxwell, o tio, rico e cobardolas, tem de tirar Jeremiah das vistas do sobrinho, e propõe-lhe alojamento no seu rancho nas proximidades. Kurdy fica encarregue de vigiar e proteger a jovem Irina. Como é óbvio, nem Diky desiste de se tentar vingar, nem Jeremiah se consegue integrar bem no rancho (um livro que Jeremiah está a ler, e que é destruído, é, apropriadamente, de Milan Kundera), nem Kurdy consegue desempenhar bem a tarefa que assumiu. 

A história é simples, tem o seu quê de previsível e mesmo um pouco déjà vu, o que é compreensível num tomo 42 (!?!) de uma série, mas a leitura é bastante agradável, a narrativa compreensível, a “mise en scène” profissional e eficiente. 

Uma série marcante na BD franco-belga, com vários tomos de leitura obrigatória. 

A Dupuis editou também este ano o volume 6 do integral da série (4 tomos por integral).





Drome

Quis o acaso que só escrevesse este breve comentário depois da BD em título ter sido nomeada para um dos prémios de referência da Banda Desenhada Franco-Belga. Drome foi, efetivamente, nomeada para o prémio da Associação dos Críticos e jornalistas de BD.

Não é uma Banda Desenhada muito convencional sendo, no entanto, uma edição muito cuidada das edições 404. 

O seu autor é um norte-americano de nome Jesse Lonergan, que eu não conhecia, e que tem nesta BD uma abordagem gráfica notável. Aliás, muitas pranchas não têm texto, pelo que a predominância do desenho, e a necessidade de uma composição de página dinâmica, expressiva, plena de significado, para carregar a história, era essencial: objetivo atingido com brio. O desenho é “violento”, expressivo, realista (quase sempre), mas não estamos perante um estilo de desenho certinho, clássico, bem ordenado. Cada página é uma espécie de quadriculado dinâmico através do qual o desenho se expande.

Quase 330 páginas visualmente muito atrativas, mas em que a narrativa não é fácil de apreender, especialmente porque os sentidos, os conteúdos tratados são diversos. A base é aparentemente simples: o nascimento de um mundo, de uma civilização. Por iniciativa de um deus, o primeiro homem nasce, e desenvolve-se. O crescimento da raça conduz a violência, combates, e tudo parece descambar até que uma deusa resolve enviar uma personagem feminina forte para pôr ordem na confusão. Com a intervenção dita divina acompanhamos o desenvolvimento da língua, da troca, do artesanato. E um período de paz parece-se instalar. Mas é sol pouca dura(ção).

Mais do que uma narrativa iniciativa, os questionamentos sobre a raça humana, a critica a formas de organização social, a fé, as crenças, são abordados nesta BD. As personagens fortes e o seu papel na “história” são muito bem tratados, e tudo com um certo humor e diversão associada a uma aventura “heroica”.

Repito: do ponto de vista visual, o pior que se pode dizer é que é um trabalho de referência. A leitura desta BD deixa-nos por vezes exauridos, tal é o impacto gráfico, a explosão criativa do autor. Dei por mim a ter de voltar atrás, para não me perder quanto à intenção de Lonergan.

A leitura não é fácil, a narrativa é profunda, em significado e em “mergulho” gráfico. Mas é uma obra marcante, e cuja leitura merece recomendação.


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