Les Gorilles du Général - septembre 59
Mencionei esta BD apenas muito brevemente num texto sobre selecionados para um prémio. No entanto, a qualidade desta obra merece um desenvolvimento um pouco maior. Se é verdade que, por se tratar de uma obra com um carácter “clássico”, esta BD não será um vencedor natural de prémios de “melhor BD”, importa deixar claro, desde já, que esta é uma das melhores BDs que tive o prazer de ler este ano. Ou seja, na minha opinião, esta é uma BD de excelência, ficará inevitavelmente na minha lista de “melhores” do ano.
Ficamos a saber que o General de Gaulle teve apenas 4 guarda-costas, 4 “gorilas”. Quando regressou à presidência, devido à situação argelina, em 1959, os mesmos guarda costas foram chamados, tendo um deles sido substituído, mas com o total sempre de 4.
Esta história é verdadeira, mas a narrativa da BD é uma abordagem romanceada à verdade. Xavier Dorison (que conhecemos em língua portuguesa com 1629…ou a história apavorante dos náufragos do Jakarta, o Castelo dos Animais, Long John Silver ou Undertaker, para citar apenas alguns exemplos) di-lo claramente nos textos que acompanham a BD. E propositadamente lança a dúvida sobre o que será verdade e o que será imaginação…
Com a junção de um novo Gorila, depois da sua formação no FBI, os restantes 3 Gorilas são colocados em avaliação. Ao mesmo tempo que isso acontece, é necessário proteger De Gaulle que está a poucos dias de anunciar ao país qual a sua solução para a situação argelina. Ameaçado pela FLN, a ter de gerir as expectativas dos partidários de diferentes fações, a situação do General não é fácil de gerir, e é exigente sobre os seus homens.
Contada na perspetiva do grupo de 4, personagens centrais desta narrativa, esta BD permite conhecer problemas, origens, angustias e motivações daqueles 4 homens. A narrativa é, como sempre com Dorison, conduzida com mão de mestre, interessante, sempre surpreendente, com ação, emoções, sem um momento “chato”.
O desenho está a cargo do espanhol Julien Telo, desenhador conhecido apenas da série Elric. E que desenho…. Realista, pormenorizado, explosivo, em momentos, alguns momentos, fazendo lembrar o grande François Boucq. Optei por uma edição especial grande formato e a preto e branco. Que explosão de desenho, que imersão na França de 1959, que realismo nos rostos, nas roupas, nas ruas, nos bairros, nas viaturas!
Este primeiro tomo, que vai até pouco depois do anúncio que, naturalmente, chocou vários setores, nomeadamente mais conservadores, de França. Dividida em diferentes capítulos, e bem estruturada em função da situação do grupo de 4, esta BD constitui uma leitura interessante, entusiasmante, e com um valor histórico não despiciendo. Editado, com grande qualidade, pela Casterman.


Les Carnets de Stamford Hawksmoor
O regresso do consagrado autor – neste caso, como em muitos outros, argumentista e desenhador – britânico Brian Talbot. Sobre ele já várias vezes escrevi, e direi mesmo mais: sou particular apreciador do seu trabalho e gosto bastante da generalidade das suas obras. Sou, portanto, enviesado, uma vez que tinha uma expectativa elevada sobre a sua nova BD. E depois de a ter lido, mantenho o meu enviesamento e recomendo…
Les Carnets de Stamford Hawksmoor é, assumidamente, uma prequela à sua série de sucesso Grandville. Mas pode ser lida isoladamente, e o autor até o recomenda para os seus novos leitores: leiam esta primeiro. Efetivamente, ficamos a conhecer alguns personagens e até algumas origens de situações com que nos cruzamos em Grandville.
No entanto, mesmo que ignoremos os “piscares de olhos” e a consistência notável de um universo coerente construído por um autor experiente, por um autor dono de uma capacidade narrativa, de uma profundidade intelectual e cultural e de uma consciência cívica provada vezes sem conta, esta BD é, num conjunto de mais de 150 páginas, uma obra digna de registo.
Stamford Hawksmoor (o mentor da personagem principal de Grandville) é, no início da narrativa que resulta das suas notas/dos seus diários, um jovem inspetor, que vai ter de descobrir o que se encontra na base do aparente suicídio do seu irmão, e investigar alguns assassinatos na Londres alternativa, e cujos cidadão são animais. Sim, esta banda desenhada, tal como Grandville é antropomórfica, Stamford é uma águia.
E afinal, Stamford vai acabar por descobrir que os assuntos são ligados, de uma forma que vamos descobrindo ao longo das páginas, mas sempre com enorme surpresa. Uma investigação digna de Sherlock Holmes (os “piscares de olhos” a Conan Doyle são também assumidos), com ameaças, traições, perigos, alguma ação, vários atentados, miséria e estratificação social, mas com um inspetor sempre focado no seu trabalho, com elevado poder dedutivo, intuitivo e que antecipa as situações. Ah, a nossa águia não é insensível ao charme feminino, o que se vai revelar importante no desenrolar da sua investigação, e tem uma relação difícil com o seu filho, miúdo mimado.
Um tema habitual de Talbot é central nesta BD: as fronteiras entre resistência e terrorismo, entre poder e abuso do mesmo, entre patriotismo e estímulo do ódio. Ah, talvez seja importante dizer que, se no universo criado por Talbot, em Grandville conhecemos atentados decorrentes da relação recente de independência de Inglaterra face a França, em Hawksmoor estamos precisamente no período em que a independência de Inglaterra tem o seu início, e o “cordão umbilical” vai ser cortado. Confusos? Não vale a pena, basta saber que neste universo, Napoleão I (um leão) ganhou a guerra com Inglaterra…
Os desenhos são, no estilo que se convencionou chamar steampunk (aqui um pouco menos que em Grandville), de um detalhe, uma precisão narrativa e uma qualidade e consistência extraordinários. O tom é sempre sépia, afinal estamos a olhar para o passado, com uma história escrita e narrada por Stamford que, quando lemos aquelas linhas, já não fará parte deste mundo.
A narrativa é excelente. Uma investigação de vários assassinatos, com várias narrativas complexas em simultâneo, e uma multiplicidade de personagens muito bem caracterizados. Muito interessante, muito bem conduzido, com um nível de detalhe impressionante e sem falhas ou pontas soltas. TOP.
Até a edição da Delirium Editions constitui um objeto muito interessante.
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