terça-feira, 4 de novembro de 2025

A opinião de Miguel Cruz sobre "Banana Story - t.1/2: L'ascension, de Manini e Park e "Le Grizzli T. 2: Une Haleine de Cadavre", de Matz e Simon

 




Banana Story t.1/2 - L'ascension

O título é muito direto. Um jovem, de nome Samuel sobrevive a um Pogrom na Roménia, mas fica sozinho com a morte dos seus pais, tomando a decisão de embarcar em direção a Nova York, onde um seu tio habita há já alguns anos. A viagem faz-se sem problemas de maior, mas o seu tio já não faz parte do mundo dos vivos. Não conseguindo arranjar emprego, acaba por embarcar clandestinamente em direção à Guatemala, perseguindo o seu sonho de trabalhar no negócio da banana. Tommy é outro clandestino a bordo, e as peripécias que vão viver selam uma amizade e uma união de futuro. 

Na Guatemala vão trabalhar para a empresa americana que explora o país, e acabam a fazer amizade com a jovem Jimena, filha de um cultivador (ainda) independente. Este trio vai acabar por fazer o seu caminho no negócio das bananas, deixando, no entanto, marcas diversas no seu percurso. Os detalhes sobre as oportunidades de negócios, a crueza na abordagem à exploração dos recursos naturais dos países da América Central e do Sul, a exploração de mão de obra barata, tudo isso tem interesse nesta BD. As diferenças de perspetivas entre os três jovens é, aliás, bem explorada. Samuel o visionário, com poucos escrúpulos, mas uma enorme capacidade de farejar novas oportunidades de negócios. Tommy, um sonhador sempre dominado pelas preocupações sociais, a justiça e a coesão de grupo. Os dois jovens partilham uma história, um passado e uma solidariedade que os mantém juntos, mas é duvidoso que partilhem uma ideia de futuro. Têm, ainda, em comum, a paixão por Jimena. Esta, por sua vez, é a pacificadora, a profissional financeira e a imagem do bom senso.

Este primeiro tomo termina, precisamente, no auge das divergências entre os dois amigos. Com alguma base em eventos reais, esta aventura está prevista em dois tomos, e é editada pela Rue de Sévres.

O argumento é bem estruturado, os diálogos e as situações são interessantes, apesar de haver alguns pontos em que há saltos narrativos de natureza expedita. Isso não prejudica a leitura, e reconheço que muito acontece e muito nos captura a atenção ao longo de 120 páginas deste primeiro tomo. O texto e storyboard foram desenvolvidos por Jack Manini, um bem conhecido autor francófono, mas que creio que em português tem apenas duas participações, uma em Go West Young Man e na “recolha” Uderzo visto pelos seus amigos, e em ambos os casos com desenho.

O desenho é do Coreano Kyung Eun Park, que nos entrega uma estruturação de páginas e um desenho muito interessante, clássicos, cinematográficos, e muito legível e luminoso. Um bom exercício, contrastando imagens de espaços abertos e da natureza, com imagens de proximidade, centradas nas personagens, num desenho realista, com personagens fáceis de identificar.

Uma boa leitura e um primeiro tomo que nos abre o apetite para a sequência, embora possa estragar o apetite para bananas. 





Le Grizzli T. 2: Une Haleine de Cadavre

Para quem não se lembre de um comentário que fiz sobre o tomo 1 (eu próprio tive de o ir recuperar e reler), não, este comentário não é sobre uma BD que aborde o famoso urso pardo. Grizzli é a alcunha de um ex-boxeur, ex-criminoso, aparentemente ex-rebelde, reformado, portanto (!), que, na década de 50 do século passado, se dedica a uma vida calma de representante automóvel. Com a mesma estrutura corporal do referido urso, e uma aproximação generosa, mas socialmente respeitável, à quantidade de pelo do mesmo, Grizzli está permanentemente a cruzar os seus antigos conhecimentos e, por mais que queira levar uma vida calma (e burguesa, de “cave” como eles dizem), acaba por se ver envolvido em problemas alheios, mas que um sólido código de amizade e lealdade torna também seus.

Neste tomo 2, o generoso Grizzli aceita, com o seu colega Toine (que se movimenta bastante bem no universo das corridas de cavalos e apostas), levar a cabo uma investigação sobre o desaparecimento da jovem filha de Bubu. O também aparentemente reformado Bubu prefere, logicamente, não recorrer à polícia, que estranho seria. Para além disso, Grizzli e Toine poderão ajudar a evitar que as preocupações paternais se tornem num disruptivo massacre.

A investigação representa um voltar ao meio que já pouco frequentam, cruzar personagens notáveis, visitar locais de diversão (essencialmente) noturna, um vai e vem de belíssimas viaturas, com destaque para uma DS, um Panhard e para um Facel Vega. E os dois personagens centrais deste filme francês - “à la” Lino Ventura, Delon, Belmondo e mesmo Jean Gabin, cujo rosto, aliás, nos observa em várias das páginas desta BD – vão conseguir encontrar a raptada, assegurar o desenlace do mistério e mesmo corrigir um erro cometido logo nas primeiras páginas da BD. O título “Um hálito de cadáver” não nos deixa muitas dúvidas quanto ao que vamos.

Muito agradável, com um desenho de Fred Simon em excelente forma, detalhado, expressivo, agradável, suave, caricatural q.b. As viaturas são uma perdição, bem como a nostalgia evidente de uma época de ouro do cinema francês (segundo dizem). Muito boa leitura, muito realista, muito trabalho de caracterização de época.

A história é interessante, um “polar” não muito complexo, mas bem-adaptado à época, com personagens estereotipadas q.b., mas com particular humor. Muito humor cínico, efetivamente, várias vezes o humor vira “negro”. O destaque, no entanto, vai para o facto de os diálogos – cortantes – serem escritos em “Argot” parisiense da época, tal como usado no meio popular. E isso dá um colorido à leitura (para além de dar origem a alguns mal-entendidos na própria narrativa) muito interessante. Para mim dá um colorido tal que várias frases têm de ser lidas e relidas até conseguir a exatidão de significado: Felizmente há um glossário mesmo no final… O nosso bem conhecido Matz, notoriamente, teve um grande prazer a escrever o argumento e os diálogos para esta BD.

Em resumo, imagino as dificuldades eventuais de tradução, sei que é uma BD de nicho – mas que vai fazendo sucesso, de tal forma que a Dargaud já está a anunciar o tomo 3 – mas continuo a referir que a leitura é muito agradável e interessante. Fortemente recomendável, na minha opinião.


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