Rivages Lointains
Mais de 220 páginas para um percurso de cerca de 30 anos.
30 anos de um inicialmente jovem italiano que procura sobreviver numa Chicago selvagem e dura, 30 anos de uma vida dedicada à ascensão no seio do crime organizado, apadrinhado por um bem vestido e assertivo Adam Czar, estereótipo do gansgster americano dos anos 30.
Uma ascensão como forma de ganhar a vida, uma ascensão como forma de ganhar respeito, uma ascensão marcada por uma relação afetiva entre o jovem Jules e o seu “ídolo” que nos surpreende por fugir aos cânones da história tradicional de máfia.
Para ganhar a vida e para ser respeitado, Jules, com a sua cicatriz na face, vai perdendo a sua inocência inicial, como seria natural, mas nunca deixa cair um profundo questionamento interior, muitas vezes obliterado pela dinâmica dos acontecimentos, e por uma violência por vezes só sugerida, mas várias vezes evidente.
Os diálogos são muito bons, dinâmicos, e credíveis enquanto adaptados à época. Os desenhos são muito legíveis, com cores pastel, rostos angulosos, faces expressivas, um excelente equilíbrio entre sensibilidade e calma reflexiva e cenas de ação e tensão palpável. Os “décors” são simplificados a favor da legibilidade, com a vantagem adicional de aportar alguma leveza a momentos chave da narrativa.
A autora Anaïs Flogny é uma estreante nestas andanças, o que é surpreendente, uma vez que a técnica narrativa é boa, e a história é interessante com twists inovadores. Mais uma autora na Banda Desenhada!
Editado pela Dargaud, esta BD deixa uma excelente impressão e tem tanto de surpreendente quanto de respeito pelas referências cinematográficas do género.
Les Enfants du Ciel
O duo Vranken (Bernard) e Desberg (Stephen) é bem conhecido, inclusivamente dos leitores e das leitoras portuguesas, seja pela sua série IR$ publicada em Português, seja por séries excelentes como Le Sang Noir.
Em 2023 publicaram na Daniel Maghen um longo one shot com o título “Os filhos do Céu” na minha tradução (à letra), cujas páginas, desenho e cores são, mais do que chamativas, verdadeiras obras de arte. Um belíssimo álbum para a vista.
Neste One Shot seguimos o arqueólogo/aventureiro Alexandre desde 1936, em Roma, data em que Monsegnor Tertullio lhe anuncia a morte da sua mulher Maya, que ficamos a saber depois foi assassinada por um sargento polícia política do Duce, até ao período da II Grande Guerra em que se cruza com personagens diversas, entre as quais o arqueólogo alemão Von Wiesenbach, que tal como ele percorre o deserto e várias ruínas do Egipto à procura “da verdade”.
A situação geo-política do Estado Judeu, as movimentações alemãs e inglesas, as tentativas de assassinato, a boa estrela que o protege: tudo isso Alexandre vai testemunhando, à falta de conseguir verdadeiramente influenciar (não, não é um Indiana Jones). Especialista em se colocar em situações complicadas e desagradáveis, a vingança constitui uma das sua forças motoras, e Alexandre demora a perceber que a sua raiva e sede de vingança o acabam por afastar do caminho da descoberta da verdade sobre o confronto de dois judeus (Flavius Josèphe e Justus de Tibériade) que viveram nos primeiros séculos da nossa era, um deles defensor de um país judaico e o outro acusado de ser um traidor e que terá acabado por apoiar os romanos.
Uma busca (Roma, Vaticano, Palestina, Egito, Líbano) em que o importante acaba por não ser o resultado, mas sim o caminho. Interessante e complexo, com um foco na estratégia de diferentes grupos – russos, alemães, ingleses, palestinianos – nos interesses de diferentes personagens, e nos conflitos interiores de Alexandre, do jovem palestiniano Bilal e da belíssima Esther, espia russa de origem judaica.
Vê-se que Vranken teve um claro prazer em desenhar estas páginas, mesmo se por vezes a narrativa com interessante base histórica se torna um pouco intricada.
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