sexta-feira, 29 de março de 2024

A opinião de Miguel Cruz sobre "Suzanne", de Tom Humberstone e "Ladies With Guns - Tome 3", de Bocquet e Anlor

 

Suzanne

Com a leitura desta BD já aprendi qualquer coisa: Não sabia quem sequer era Suzanne Leglen, quanto mais conhecer detalhes sobre a sua vida.

Com esta BD fiquei a conhecer também o autor Tom Humberstone, escocês, que esteve, aliás, presente em Angoulême em luta de esforço com a língua francesa…

Suzanne Leglen foi tenista, número 1 do mundo entre 1921 e 1926, pelo que percebi, quer em singles, quer em pares. 

Esta BD one shot editada em França pela Ankama, com um estilo muito próximo dos comics, é muito interessante ao caracterizar a relação difícil e dependente desta tenista com o seu pai e treinador, Charles, que a coloca na vida tenista/desportista desde muito cedo – aos 11 anos – e que a levou a focar-se exclusivamente no desporto, com as consequências naturais no seu desenvolvimento psicológico. Foi a jogadora que mais jovem ganhou um grande título, aos 15 anos.

Com um ar de diva, uma energia aparentemente inesgotável, mas uma saúde frágil, Suzanne permite-nos testemunhar uma época de afirmação e transformação deste desporto no feminino. Assistimos também a momentos de combate interior e força de caráter desta jogadora que tinha um estilo inovador para a época e que era caracterizado como um estilo de bailarina. 

Suzanne teve uma relação conturbada com os media, mas tornou-se uma estrela de notoriedade global, talvez das primeiras no desporto, certamente no ténis. Tornou-se profissional por razões financeiras, o que era um “escândalo” na altura. Morreu antes dos 40 anos por razões não conhecidas, embora na BD se mencione, mais do que uma vez, anemia e leucemia.

Vim mais tarde a descobrir que um dos campos de Rolland Garos tem o seu nome. 

A narrativa é fluída, nunca com um momento que possamos apelidar de “chato”, o foco é colocado nos acontecimentos chave para descrever mais do que o percurso da tenista, as razões do seu comportamento. Os desenhos são realistas, excelentes, muito legíveis, páginas limpas e estrutura clássica. As perspetivas são interessantes e bem pensadas para uma narrativa parcialmente passada nos courts. É notório que o autor se procurou documentar bem sobre roupa, viaturas, estilos de cabelos, etc, da época.




Ladies With Guns - Tome 3

Neste meu comentário, vou novamente fazer referência ao mais recente tomo de uma série que já aqui tinha sido comentada. É raro fazê-lo, seja porque o mercado está crescentemente dominado por One Shots, seja porque normalmente uma vez basta. 

Mas verdade seja dito que esta série é tão atípica, com pontos de interesse diferenciados, mesmo que mais uma passada no “velho Oeste”, que merece este comentário. Será a melhor “coisa” que li nos últimos tempos? Não. Gostei de ler? Sim, bastante.

Nesta série acompanhamos Kathleen, uma inglesa recém-chegada aos Estados Unidos, com o seu marido, e que acaba de ficar viúva e sujeita aos desmandos de um par de marginais, responsáveis pela segurança da caravana que acaba por ser atacada por um grupo de índios. Chumani é uma americana nativa cujo irmão foi morto por Kathleen durante o referido ataque, e que perdeu a família e só pensa em vingança. Abigal é uma jovem escrava fugida (dentro de uma jaula), desenrascada e habilidosa com armas, e que acaba por juntar os esforços das duas anteriores. Daisy é uma ex-professora de caráter forte que ajuda as três anteriores, e Cassie é uma “profissional do prazer” que foge, grávida, depois de ter “aliviado” os seus patrões da caixa das receitas da atividade do estabelecimento, e que vê nas quatro anteriores a sua melhor hipótese de ter ajuda.

Abordando assuntos muito sérios com bastante humor e uma belíssima dose de cinismo, Bocquet no argumento e Anlor no desenho passam uma clara ideia de que se divertiram enormemente com este primeiro ciclo de aventuras das 5 mulheres.

Abigail foge, as suas quatro amigas são presas. Enquanto Abigail tem de enfrentar alguns “fantasmas” do seu passado, Kathleen-Chumani-Daisy-Cassie acabam numa prisão que, como se já não bastassem as faltas de condições, os trabalhos forçados e a violência, nunca viu uma mulher, quanto mais quatro juntas. Mas estas quatro estão habituadas a “dar luta” e acabam por se evadir daquele ambiente onde não se sabe quais os mais ameaçadores, se prisioneiros, se guardas, com muitos estragos e algumas vítimas pelo meio.

Ação (muita), violência (bastante), um desenho dinâmico, com boas escolhas na composição de página, uma narrativa inteligente que através de diálogos de uma excelente qualidade e “precisão”, bem como de alguns flash backs (que nos aprofundam o conhecimento das personagens centrais), apresenta uma visão crítica de vários temas associados à condição feminina (e à estupidez humana).

Apesar de ter sido apresentado como fim de ciclo, seja pelo acolhimento do público, seja pelo que ainda há para descobrir daquelas cinco mulheres, apostaria que a Dargaud dará sequência às aventuras das mulheres com (de) armas.






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