quinta-feira, 31 de março de 2022

As opiniões de Miguel Cruz sobre: "Le Poids des Héros", de David Sala e "La Terre, Le Ciel et Les Corbeaux", de Teresa Radice e Stefano Turconi


Le Poids des Héros, de David Sala

David Sala já nos visitou no Festival de Beja, e recordo-me de lhe ter levado dois livros para autografar. Um editado na nossa língua, O Jogador de Xadrez, adaptado da obra de Stefan Zweig, e o outro o primeiro volume de Nicolas Eimerich, Inquisiteur, qualquer delas obra complexa, na história, nas diferentes camadas de leitura, nas personagens e na leitura sobre a raça humana. Recordo-me, também da satisfação de todos com os autógrafos cheios de cor de aguarelas, realizados por um autor muito simpático.

E é tudo isso que podemos constatar na obra biográfica deste autor nascido e criado em França, mas descendente de Espanhóis, cujos avós, paterno e materno, foram verdadeiros heróis, passaram pela Guerra Civil Espanhola e pela II Grande Guerra, e dela trazem as marcas. O avô materno, que morreu aos 68 anos, pura e simplesmente recusava-se a morrer antes desse … de Francisco Franco, o que conseguiu, vitória derradeira de quem tudo sofreu e tudo perdeu, mas não se dá por vencido.

O jovem David cresce e cria os seus valores com este peso dos heróis, e uma leitura familiar do mundo que, como refere, é como se a raiva e a angústia se partilhassem geneticamente. Para quem foi adolescente nos finais da década de 70, década de 80, embora o ambiente cultural seja distinto, é muito fácil identificar-nos com este jovem e com várias das suas experiências – quem se esquece dos óculos para o primeiro filme 3D passada na televisão, com o monstro da lagoa???

A década de 70 e 80, e uma imaginação extraordinária, permitem várias páginas de explosão de cores, por vezes contrastantes com o ambiente, mas que tornam este livro numa exaltação de valores, numa história simples plena de ternura e, essencialmente, uma exaltação da importância da memória e de a manter viva. Sincero, muito direto e excelente! A edição é da Casterman.




La Terre, Le Ciel et Les Corbeaux

Com 208 páginas, este é uma BD de dois autores italianos, Teresa Radice (texto) e Stefano Turconi (desenho e cor), um casal que depois de vários anos de colaboração com a Disney, criou um livro que já tive oportunidade de mencionar na revista como uma excelente obra: O Porto dos Marinheiros Perdidos.

Gostei tanto dessa publicação, que este "La Terre, le Ciel et les Corbeaux" é a terceira BD que leio destes autores. Editado no final de Janeiro deste ano, trata a história de três fugitivos de uma prisão Russa no período da II Grande Guerra. Um é Alemão e tem um plano bem definido, o outro é Italiano e aproveitou a oportunidade, embora não tenha plano, mas muitas memórias e uma grande dose de nostalgia, como ficamos a saber, e o terceiro é Russo, fugitivo forçado.

As aquarelas de Turconi e o poderoso, por vezes pesado texto de Radice, acompanham o périplo deste grupo improvável, cuja união se vai cimentando gradualmente em função das necessidades, dos perigos e, particularmente, de um ambiente absolutamente gélido e inóspito.

O Alemão fala quase sempre em alemão, o russo na sua língua, e a única personagem cujo diálogo eu (que não sei alemão nem russo) consigo acompanhar totalmente é o Italiano, sobre quem ficamos gradualmente a conhecer o passado e o que o levou até esta situação. E é isso que se pretende, pois o entendimento entre estes três personagens é linguisticamente limitado, mas perfeitamente bom para o que é necessário, e a necessidade facilita a adaptação.

Como é referido numa das mensagens aos leitores, e numa tradução minha, “nestes tempos que recomendam distâncias de segurança, a lição de proximidade oferecida pelas histórias tem um valor essencial, um papel de empatia: descobrir-se semelhante aos outros, precisamente porque somos todos diferentes. Encontrar-se para lá de si”.

E é a terra, o céu e a fauna, neste caso os corvos, que acabam também por desempenhar um papel fulcral no percurso das três personagens, com destaque para uma delas. Novamente citando os autores: “Por vezes, o meio mais eficaz de estar em paz com a realidade é frequentar a ficção. Ou a natureza. Ou mesmo ambos”.

Recomenda-se a leitura desta edição da Glénat, sendo que o texto narrativo é extenso, mas a história é muito bem construída e estruturada, com um fim credível e interessante, credibilidade muito reforçada por um grafismo de alto nível.



Sem comentários:

Enviar um comentário