sábado, 14 de janeiro de 2023

A opinião de Miguel Cruz sobre: "Did You Hear What Eddie Gein Done?", Powell e Schecter / "À Prix D’Or – Tomos 1 e 2", de Sergeef e Khattou


Did You Hear What Eddie Gein Done?

Graphic Novel da autoria dos norte americanos Eric Powell (desenho) e Harold Schecter, publicada já em 2021, DYH What Eddie Gein Done? constitui um exemplo de trabalho detalhado e exaustivo de investigação e recolha de informação e detalhes.

Ed Gein é um psicopata (mais do que um assassino em série, aparentemente) completamente transtornado pela morte da sua mãe – severa e austera, com problemas relacionais, fanática religiosa à sua maneira e, francamente, profundamente perturbada – que o dominava de tal forma que o intelectualmente limitado Eddie não conseguiu aceitar o seu desaparecimento sem arranjar uma forma de preencher o vazio.

Os eventos reais aqui retratados serviram de inspiração para o filme “Psycho” de Alfred Hitchcock (e segundo dizem, permitiu alguma inspiração também para a personagem de Hannibal Lecter). Aliás, logo nas primeiras páginas, temos uma introdução com Hitchcock a ser citado, aquando da estreia do seu novo filme, dizendo que o filme não tem nenhuma tomada de posição moral. Trata-se de um filme sobre pessoas perturbadas. A noção de moralidade não pode ser aplicada aos loucos. O mesmo pode ser dito sobre o livro e o relato da criação e ações deste assassino.

Com esta introdução, penso que o leitor/leitora já percebeu de que se trata. Estamos na década de 50, e acompanhamos a história desta criatura profundamente atormentada, o seu comportamento criminoso, numa tentativa de “reviver” a sua mãe noutros corpos, numa atuação profundamente macabra.

Esta Graphic Novel é, verdadeiramente, negra, mergulha sem piedade no pior da humanidade, construindo o relato em torno de um caso profundamente perturbador, passado num Wisconsin frio e rural.

Adequadamente, o desenho é a preto e branco, realista, muito detalhado, esteticamente muito bom, com excelentes utilizações de diferentes tons de cinzento. Os rostos são bem desenhados e expressivos, os movimentos adequados, e as perspetivas são diferenciadas e as necessárias. O argumento é muito bem construído, consistente, bem documentado, sem excessos nem omissões, com uma grande frieza no relato.

O todo é, por isso mesmo, uma obra de grande qualidade, editado pela Albatross Funnybooks, que nos relata um episódio pouco conhecido, mas profundamente assustador.







A Preço de Ouro (À Prix D’Or) – Tomos 1 e 2

Pode parecer, mas não, não se trata de uma análise ao preço atual do papel… Trata-se de uma aventura, em dois tomos, de duas jovens (que os acontecimentos vão unir em torno dos mesmos objetivos, e colocar em risco de vida) que, numa cidade mineira do interior australiano, vão estar na origem de uma confusão generalizada na região e, particularmente, na mina de ouro.

Birdy serve à mesa de um bar que está praticamente sem clientes face à concorrência de um outro bar com características atrativas para um determinado segmento da (escassa e dispersa) população. Ellie, por sua vez, é uma profissional dedicada e ambiciosa, que trabalha na mina de ouro, e que não esconde as suas origens aborígenes.

Perseguições, tiroteios, corrupção, relações familiares, deserto australiano, cultura aborígene, escândalo ecológico, tudo isto podemos encontrar nesta série em dois tomos, que tem um ritmo alucinante, sem tempos mortos, e nos deixa verdadeiramente sem fôlego. Curiosamente, e precisamente para que não perdêssemos o ritmo, a Glénat editou os dois tomos simultaneamente, dando-nos a oportunidade de ler mais de 100 páginas de uma só vez…

O desenho é realista, com “quadradinhos” de grande detalhe, por vezes fazendo-me lembrar o grande Colin Wilson (apesar de não gostar muito destas sempre inadequadas comparações). As cores são elegantes, as viaturas bem desenhadas. A abordagem é, frequentemente, cinematográfica, o que resulta muito bem. O argumento tem conteúdo, apesar da “correria” das protagonistas e da velocidade do desenlace, e a estrutura narrativa é baseada na sobreposição de várias histórias que acabam por se cruzar. As capas dos dois tomos são interessantes, chamam a atenção (eventualmente afastando os/as leitores/as), mas não correspondem ao estilo do desenho no interior – felizmente, digo eu…ufa!

Uma excelente aventura, com elementos importantes de reflexão e atualidade, que nos dá a conhecer alguns contornos de uma realidade geográfica que nos é longínqua.

Da responsabilidade de uma belga no argumento – Nathalie Sergeef – e de um francês no desenho – Bernard Khattou – esta é uma daquelas BD que admito que não vá ganhar nenhum prémio, mas que merece destaque, especialmente por nos permitir uma agradável experiência de leitura.



1 comentário:

  1. Manuel Raposo: apreciações muito bem escritas e com conteúdo bem detalhado.

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