segunda-feira, 23 de janeiro de 2023

A opinião de Miguel Cruz sobre: "Un Putain de Salopard: Guajeraï", de Loisel e Pont e "Chauds comme le Climat - Les Vieux Fourneaux", de Lupano e Cauuet

 


Un Putain de Salopard: Guajeraï

Recordo-me quando, em 2019, saiu o primeiro tomo de “Un Putain de Salopard”, cujo título era “Isabel”. Nessa altura, e apesar da reconhecida qualidade dos autores Olivier Pont (desenho) e Régis Loisel (argumento), hesitei na compra, que acabei por adiar. Só em 2021, já o segundo tomo, com o título “O Maneta” tinha saído, acabei por me dedicar à sua leitura. Excelente desenho, na linha da generalidade das obras criadas por Loisel, e um argumento de cariz aventuroso e movimentado, passado algures na amazónia, que trata assuntos sérios com alguns elementos de boa disposição, e alguns aspetos caricaturais que nos aliviam a leitura.

O terceiro tomo, “Guajeraï”, publicado no final de 2022, vem dar continuidade à aventura de Max, um jovem que volta à perigosa selva onde viveu até aos três anos, e de onde fugiu acompanhando a sua mãe, entretanto falecida. 

Objetivo: encontrar o seu pai. Objetivo tanto mais complicado porque, sobre a sua identidade, Max apenas dispõe de duas fotografias em que se vê a sua mãe acompanhada de dois homens, cada um na sua fotografia. Qual será o seu pai, se algum dos dois? 

Christelle e Charlotte cruzam a vida de Max porque, como enfermeiras, vão tomar conta do dispensário da região, Corinne, amiga das anteriores vive no local e acolhe muito calorosamente o nosso jovem “herói”, Isabel é a dona do bar local, de forte caráter, e Baia é uma jovem mestiça muda que vai salvar Max de vários perigos. 

Em “Guajeraï”, Max está convencido de ter encontrado o seu pai, de nome Mermoz, mais conhecido como o Maneta, de quem acaba por tentar fugir, uma vez que ele é um “Putain de Salopard”. Dada a qualidade da obra, o texto inteligente, a aventura pura, o comportamento ignóbil de várias personagens numa selva sem lei, ponho-me a pensar que seria tão bom ter esta BD publicada em Portugal, mas não evito um sorriso a pensar qual seria a tradução do título da série. Seria “Um C%%#”o de Filho da P%&a”?

Na capa do tomo três podemos ver Max e Baia no motociclo, e a personagem com parte do corpo fora da viatura em perseguição e que agarra uma arma com o seu único braço é…O Maneta!

De Régis Loisel estamos habituados a séries de grande qualidade, várias das quais publicadas em Portugal: “Armazém Central”, que ancorou a sua recente presença na Amadora; “Peter Pan”; “Em Busca do Pássaro do Tempo”. “Un Putain de Salopard”, editado pela Rue de Sévres, não desilude e tem tido um excelente desempenho de vendas em França, para além de uma boa cobertura mediática, como aliás se pode constatar no contexto da presença dos autores em Angoulême.






Chauds comme le Climat - Les Vieux Fourneaux

Vale a pena começar por dizer que aprecio bastante o desenho do francês Paul Cauuet, elegante, agradável, expressivo, divertido e vivo. O desenho constitui um dos elementos essenciais para o sucesso desta série que acompanha as “aventuras” de três septuagenários, ex anarquista de 1968, Pierrot, Mimile e Antoine, bons amigos, todos eles muito empenhados social e politicamente, alguns mais ativistas e de esquerda que outros, mas todos muito atentos às injustiças, às diferenças geracionais e ao ambiente e, todos eles, com enorme gosto de viver.

Os argumentos são da responsabilidade de Wilfrid Lupano, de quem, em Portugal, tivemos recentemente editada a BD “Branco em Redor”. 

Cada tomo de Les Vieux Fourneaux pode ser lido autonomamente, como uma história específica, embora a série vá construindo uma relação entre as três personagens principais e um vasto conjunto de outras personagens que se repetem de tomo para tomo, a começar pelos familiares de um dos nossos septuagenários, com destaque para a jovem Sophie, igualmente empenhada socialmente, mas claramente de outra geração.

Os argumentos são muito bem construídos, divertidos, movimentados, e com muitas referências cinematográficas. Verdadeira comédia de situações, esta série de Les Vieux Fourneaux faz-nos rir com situações que, na sua base, são tão incongruentemente absurdas e estúpidas que, mesmo que, por acaso, não comunguemos de algumas das perspetivas veiculadas nestas BD, não deixamos de nos divertir porque mesmo os seus “heróis” são tão expostos ao ridículo que é impossível manter alguma indiferença.

Este tomo 7: Chauds comme le Climat é muito divertido e absurdamente terno (apesar da forte crítica social), constituindo, na minha opinião, um ponto alto da série. Tudo começa com Berthe, uma septuagenária da aldeia, que após aceitar o convite de Mimile para o acompanhar a uma festa-piquenique de aldeia organizada pelo seu presidente da câmara, resolve “bandarilhar” uma “espetada” no rabiosque do mencionado edil… Auch! Esta ação absurda e aparentemente injustificada (até à penúltima página!) despoleta um conjunto de problemas na aldeia, a que se vem juntar a morte do presidente e fundador da empresa de medicamentos, principal empregador da região. Ah, é verdade, Pierrot e Antoine que não participaram na festa por terem estado em Paris a participar numa manifestação que resultou em lesões que deixaram Antoine transitoriamente de cadeira de rodas, vão desempenhar um papel central no desenrolar dos eventos, até porque vão discutir, entre si, até à exaustão, quem é mais politicamente empenhado.

Da Dargaud, esta é uma série com evidente interesse, a fazer-nos rir desde 2014.

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