domingo, 22 de janeiro de 2023

A opinião de Miguel Cruz sobre: "Hoka Hey!", de Neyef e "Hollywoodland", de Maltaite e Zidrou




Hoka Hey!

Pelo título, a expressão dos índios Lakota cujo significado é, aproximadamente, “vamos a isso”, esta BD não deixa grandes dúvidas sobre o tema que aborda, nem sobre a sua classificação como western.

Hoka Hey!, da autoria de Neyef constitui um western diferente do habitual, com códigos e uma forma de tratamento distinta da habitual, constituindo também uma história de descoberta própria, de quem possui raízes mistas (ou que é tendencialmente desenraizado).

Dois nativos americanos e um irlandês, ativamente perseguidos por um caçador de prémios, deixam um verdadeiro rasto de raiva e violência por onde passam, e cruzam-se, no seu caminho, com George, um jovem mestiço que vive na reserva de Pine Ridge.

Educado para se tornar um bom cristão, George assiste ao assassinato do pastor que o acompanha, e como testemunha incómoda desse assassinato, é raptado por Little Knife e tem de acompanhar o périplo dos três violentos homens (Little Knife, No Moon e Sully, o imigrante irlandês).

Vingança, violência, duelos, caçadas na pradaria, espaços abertos impressionantes, tudo isso está presente, mas acompanhada por uma bem construída visitação ao passado de algumas personagens, que cruza com um relato iniciático da personagem de George, que entretanto desenvolve uma amizade com os seus raptores, e é exposto a uma diferente visão do mundo que o rodeia, e que lhe era, em boa parte, desconhecido.

Trata-se de um One-Shot muito bem estruturado no argumento, realista, bem documentado, essencialmente sem filtros, mas muito inteligente. O desenho, realista, é detalhado e ao mesmo tempo espetacular pelo tratamento grandioso dos grandes espaços, das distâncias e das cores, bem como pelo detalhe das cenas de ação, muitas vezes brutais. A intensidade emocional encontra aqui uma bela conjugação de texto e desenho.

De um humanismo inteligente, esta é uma das edições marcantes de 2022, da responsabilidade da Rue de Sévres que, para além de tudo o mais, nos forneceu um objeto de qualidade, com uma capa de excelência e lombada em tela. 224 páginas com esta qualidade e da responsabilidade de um único autor merece, necessariamente, um grande destaque. Uma edição em língua portuguesa seria mesmo bom, não seria???




Hollywoodland

Sou um grande apreciador do trabalho e do estilo de desenho de Eric Maltaite, filho do GRANDE Will (Willy Maltaite, responsável, entre outros por Tif et Tondu e Isabelle), e que esteve já em Portugal na Amadora BD. 

Por sua vez Zidrou é um autor hoje conhecido no nosso país, com obras como Verões Felizes, Ric Hochet (Os novos casos de RH) e a Fera (com Frank Pé). Curiosidade: esteve, também na Amadora, mas antes da publicação de qualquer destes livros.

Hollywoodland é um trabalho recente que reuniu estes dois autores, e que compila nove pequenas histórias construídas em torno de nove personagens que, sem grande destaque e nenhum glamour, atravessam a história da Hollywood da década de 50. Nove histórias para uma Hollywood de 9 letras.
Maltaite e Zidrou apresentam, sem qualquer embelezamento, pequenas histórias da vida de diferentes funções “behind the scenes”, independentes e autónomas, sem uma linha condutora que não seja a participação na atividade da meca do cinema. Uma costureira, uma aprendiza de atriz, um vendedor de hot-dogs, um eletricista, umas fãs adolescentes, entre outros, cruzam-se sem o saberem na azáfama de uma cidade muito “faz-de-conta”.

Uma abordagem diferente ao tema, cativante e estimulante, mesmo que sofra da natural limitação do recurso às histórias de poucas páginas, que não permitem desenvolver uma caracterização de personagens mais coerente. O tom da narrativa é variável consoante as histórias, todas com uma carga de cinismo muito acentuada, umas mais bem humoradas, outras merecendo uma gravidade de tratamento por vezes angustiante.

O desenho de Maltaite é, como sempre, muito bom, chamativo, claro, traço muito agradável, boas proporções, excelente “colocação de câmara”, ambientes detalhados e muito bem documentados.
Esta BD lê-se muito bem e constitui uma obra de leitura autónoma. No entanto, a editora já fez saber que em 2023 será publicado um segundo tomo, que permitirá aproveitar a celebração dos 100 anos do placard “Hollywood”. Edição Fluide Glaciale.


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