segunda-feira, 13 de fevereiro de 2023

A opinião de Miguel Cruz sobre: "Monsieur Apotheoz", de Frey e Dawid e "Kiss the Sky - vol.1: Jimi Hendrix 1942-1970", de Dupont e Mezzo


Monsieur Apothéoz

Esta é uma BD curiosa. Apothéoz é um nome de família marcado pelo drama, ao longo de diferentes gerações, em que as ações empreendedoras dos homens da família conduziram à morte de alguém. O que dizer de uma situação em que o seu pai, decide lançar uma pastelaria local, na festa apresenta a criação do bolo batizado de “Apothé
oz”, e esse bolo causa a morte do presidente da câmara local? 

Essa é a situação de Théo que, para não se expor a esta maldição, resolve ser o mais passivo possível e nada empreender. Como consequência, já com 30 anos, não tem emprego fixo, e vive na casa do seu pai. Apaixonado por Camille desde a infância, decidiu nada lhe dizer, nem disso dar qualquer sinal. Melancólico e conformado, Théo sente-se confortável com a sua vidinha.

A situação altera-se, como sempre, de forma inesperada, quando Théo conhece Antoine Pépin, escritor atrevido e com outro estilo de vida, mas que sofre de um total bloqueio de escritor. Convencido de que a maldição familiar é uma “treta”, e decidido a animar Théo e a ajudá-lo a conquistar Camille, bem como a aprender a sonhar, Antoine vai perturbar, e de que maneira, o rame-rame diário de Théo.

Comédia sobre oportunidades perdidas, sobre sonhos realizados e sobre novas oportunidades, tudo nesta BD é ternurento e cómico, desde a história, a relação entre as personagens, a falta de jeito e a trapalhice de Théo, e o desenho com traços juvenis de Dawid.

Lê-se bem, com a leveza de uma comédia romântica, e é notória a elegante articulação entre a narrativa de Julien Frey e o desenho. Nem tudo é o que parece, e a vergonha alheia é encarada com um sorriso.

Uma leitura agradável para todos os públicos, mas particularmente aconselhável para os mais jovens. Uma capa apelativa, numa edição cuidada da editora Vents D’Ouest.


Kiss the Sky - vol.1: Jimi Hendrix 1942-1970


Em Angoulême, que este ano celebrou o seu 50.º aniversário, foi atribuído um (dos muitos) prémios designado por “Elvis d’Or” à BD Kiss the Sky de Jean-Michel Dupont (argumento) e Mezzo (desenho). Criado com o objetivo de premiar, cada ano, a melhor BD que celebra o Rock, o Elvis de Ouro de 2023 foi, portanto, atribuído a uma BD que aborda um primeiro período (1942-1970) da conturbada vida de Jimi Hendrix.

Verdadeira lenda do Rock, Jimi Hendrix morreu com 27 anos, sendo que conheceu o sucesso apenas nos últimos anos da sua vida. Esta BD, editada num formato quadrado, e com uma textura, que pretendem evocar a capa de um vinyl de 33 rotações, vem apresentar a infância da lenda, com a sua mãe alcoólica, o seu pai inicialmente responsável e depois preguiçoso, mas sempre distante e pouco carinhoso, a sua família disfuncional, e o percurso acidentado até ao estrelato, cruzando-se com boa parte das lendas do Rock dos anos 50 e 60. Uma parte da história do rock - da dureza do circuito, da complexidade das relações pessoais, da competitividade existente -  e da história da américa – um terrível nível de pobreza numa américa racialmente e violentamente segregada - estão condensadas nas páginas desta BD, primeira parte de um relato da complexa personagem Jimi Hendrix.

Muito interessante, detalhado sem nunca se tornar maçudo, com vários episódios por vezes enervantes, outras vezes enternecedores e frequentemente tristes, esta BD mostra um trabalho de pesquisa notável, e um cuidado imenso com a seleção de material que permita um relato fluído e agradável do que se passou, cruzando por vezes a fronteira do que poderia ter sido (e demonstrando a admiração dos autores pela personagem, ou melhor, pelo músico).

O relato, nesta sua primeira de duas partes, termina com a célebre viagem (fuga?) de Jimi Hendrix para Inglaterra, mais concretamente para Londres, depois de (sem que isso implicasse uma real evolução na sua carreira, por vezes muito pelo contrário) a sua história cruzar personagens como Bob Dylan, alguns membros dos Rolling Stones, Eric Clapton.

O desenho de Mezzo – que já conhecia de outras excelentes obras – suscita-me sempre a mesma reação. É tão diferente do habitual, a sua disposição nas páginas faz-me sempre lembrar (não sei porquê) o cinema de Wim Wenders, o desenho a negro, sem cores, de traços grossos em personagens arredondadas e com uma qualidade tridimensional única que, verdadeiramente, se estranha no início, mas no final… é como se não houvesse autor mais adequado para nos apresentar aquela história. Creio que este será, certamente, dos maiores encómios que se pode fazer a um desenhador…

Mezzo, que eu já tinha encontrado há alguns anos, é uma personagem! Alternativo, sem dúvida, mas extremamente simpático. Aproveito aqui para partilhar um seu desenho no meu exemplar de Kiss the Sky, que agradeço. Aguardo o tomo 2! Edição editora Glénat.









1 comentário:

  1. Fiquei com vontade de ler os dois livros, muito bem comentados.

    ResponderEliminar