quarta-feira, 7 de fevereiro de 2024

A opinião de Miguel Cruz de "Hiver à L’Opéra", de Chabert e Pelaez e "Du Bout des Doigts", de Bonin



Hiver à L’Opéra

Recordo-me de, já há algum tempo, aqui ter falado (muito bem!) de uma outra BD “Automne en Baie de Somme”, uma história policial em ambiente Belle Époque, e da autoria de Philippe Pelaez (argumento) e Alexis Chabert (desenho). 

Ora Hiver à L’Opéra é também uma história policial que decorre em plena Belle Époque, os autores são os mesmos, tal como a editora Bamboo (Coleção Grand Angle), e, para além disso, constitui um segundo inquérito do Inspetor Alexis Chabert, que ficámos a conhecer na BD anteriormente mencionada.

Em termos de comentário, não há como fugir ao evidente: o que nos chama a atenção em primeiro lugar é o desenho, o excelente, colorido e luminoso desenho de Alexis Chabert. Aliás, a começar pela capa, todo o desenho, perspetivas, sequência narrativa, ambientes de uma história passada numa estética tão reconhecível, roupas, comportamentos, são magníficos. Ficamos com uma boa ideia do Paris de finais do Século XIX (neste caso estamos em dezembro de 1896).

Quanto ao argumento, o primeiro aspeto a assinalar é que, apesar de encontrarmos o mesmo inspetor, o seu comportamento é algo distinto do da aventura anterior, talvez mais distendido, depois de todos os problemas que teve com as suas chefias. O segundo é de que algum contexto político que envolve a história é informativo, mas não aporta muito valor acrescentado à narrativa. O terceiro e último é que a narrativa tem elementos interessantes de imprevisibilidade, apesar de “o culpado” ser conhecido, tem lógica e um tom adequado quer à época, quer – o que é o mais relevante – à sequência e prazer da leitura.

Quanto à história:  o público enche a sala de Ópera Garnier para apreciar o espetáculo. No entanto, o “espetáculo” acaba por ser outro, que o público não vai apreciar: amarrado por umas cordas nos pulsos e nos pés e quase nu, o corpo do responsável pela segurança Presidencial vai sobrevoar a sala, largando nesta copiosas quantidades de sangue. Este é o ponto de partida para mais uma investigação dificultada pelos interesses envolvidos.

Lê-se com muito agrado, recomenda-se com convicção.




Du Bout des Doigts

Há alguns autores que, através do seu desenho, nos conseguem quase automaticamente pôr bem-dispostos, pela luminosidade das páginas, pelas cores agradáveis e aparentemente sempre judiciosamente utilizadas, pela expressividade dos rostos, pela capacidade de transmitir emoções, pela positividade que colocam no seu trabalho. Cyril Bonin é um desses desenhadores.

Autor completo (argumento, desenho, cores) nas suas BD mais recentes, Cyril Bonin tem uns trabalhos melhores do que outros, mas já aqui falei dele algumas vezes, nomeadamente pela BD “Les Dames de Kimoto” de que gostei bastante, adaptada do romance de Sawako Ariyoshi. 

Du Bout des Doigts (literalmente, na ponta dos dedos) é uma obra diferente dos seus trabalhos anteriores, embora também aqui as mulheres constituem a força motriz da narrativa. Acompanhamos um período da vida de Paul Déa, pintor figurativo por gosto e vocação, mas que ainda não “se encontrou” nem “realizou” no seu trabalho e que é negativamente influenciado por um grupo de amigos que se juntam com frequência para discutir a arte conceptual, a escola de Paris e bla bla bla…

Com uma rotina estabelecida, Paul tem a sensação de estar a passar ao lado da vida e de ser incapaz de se tornar um artista verdadeiro, quanto mais reconhecido. Apesar da sua relação (que também não evolui) com uma mulher casada, Georgina, Paul acaba por se envolver com uma jovem cabeleireira que, por acaso, e no local onde habitualmente corta o cabelo, o atende. Literalmente, Paul confia “a sua cabeça” a Mathilde.

Mathilde tem o condão de o tornar feliz, de lhe gerar um entusiasmo por vezes infantil, de lhe permitir lidar com a sua habitual permanente insatisfação. E é a história da relação entre Paul e Mathilde, os problemas desta com a sua mãe e as descobertas que, através desta última, Paul faz sobre Mathilde, que nos fala esta BD. Fala-nos, claro, também um pouco sobre o meio artístico parisiense na década de 60.
Um desenho bonito e expressivo, tons doces e agradáveis, uma excelente técnica narrativa ao serviço de uma obra sobre a felicidade, a descoberta sentimental e o amor. Um corte de cabelo diferente e transformador, uma lufada de ar fresco!

Lê-se com facilidade e boa disposição. Muito agradável mesmo, e isso é muito positivo e como costuma citar um grande amigo meu, “para melhor está bem, está bem, para pior já basta assim”… Editado pela Bamboo, na sua coleção Grand Angle.



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