sexta-feira, 5 de julho de 2024

A opinião de Miguel Cruz sobre "Don Quichotte de la Manche", de Paul e Gaëtan Brizzi e "Le Vieux qui ne Voulait pas Fêter son Anniversaire", de Jonasson e Bonne

 


Don Quichotte de la Manche

Um dos manos Brizzi (Gaëtan) esteve em Portugal por ocasião do Maia BD, e quem lá esteve pôde, para além de apreciar a simpatia e os autógrafos de Gäetan, apreciar a exposição relativa ao notável “Inferno” de Dante.

Tão magnífico do ponto de vista gráfico como o referido “Inferno” é o trabalho seguinte de Paul e Gaëtan Brizzi: a adaptação da obra de Cervantes, Don Quixote. Os desenhos, não é preciso repeti-lo, são magníficos. Impressiona-me particularmente o tratamento dado à figura, corpo, rosto e expressão do D. Quixote. O retrato de um personagem frágil, perturbado, em fim de vida, em sofrimento físico e psicológico, mas que junta todas as suas forças para manter uma réstia de dignidade, é notável.

Tal como notáveis são as páginas inteiras compostas pelos dois autores, uma abordagem gráfica, por exemplo, aos “gigantes” moinhos de vento. 

Um pouco menos de 200 páginas, em quer cada página lida nos “empurra” deliciados para a leitura da página seguinte. Não apenas pelo desenho, mas pela sequência narrativa de qualidade e pela escolha de diálogos verdadeiramente “saborosos”.

Uma adaptação de qualidade, e contemporânea de uma obra nada fácil de ler quanto mais de se adaptar, como aliás se constata por adaptações menos bem-sucedidas no passado.

Uma adaptação a preto e branco, com a edição cuidada e de qualidade da Daniel Maghen. O Inferno de Dante foi adaptado para português numa edição também ela cuidada, o que é essencial. Estou certo de que o mesmo sucederá com este Don Quixote. Não há muito mais a dizer do que: Essencial!




Le Vieux qui ne Voulait pas Fêter son Anniversaire

O velho que não queria festejar o seu aniversário é uma comédia plena de crítica social, e uma BD de dedo apontado à mediocridade, recentemente editada pela Philéas. Baseado num romance best seller de 2009 de Jonas Jonasson, jornalista e escritor sueco, esta BD conta com um desenho semi-realista de Grégoire Bonne (que há alguns anos assinou uma BD editado pela Mosquito, que achei excelente) e uma adaptação de Taillefer, autor que me era desconhecido.

Não li o romance em que esta BD se baseia, mas fiquei com uma enorme vontade de o ler, e isso já não é nada mau de se dizer para uma adaptação literária! Gostei do desenho, expressivo e particularmente detalhado a uma comédia de situações: os ambientes, as reações e pensamentos das personagens são muito bem retratadas. As cores são interessantes e o seu uso cuidado para distinguir acontecimentos presentes e acontecimentos passados é inteligente e agradável para a leitura.

No entanto, quer-me parecer que a sequência narrativa carece de fluidez. Nesta BD, evoluímos como se a cortina descesse sobre diferentes “quadros” de uma peça de teatro. Isso perturba a caracterização das personagens e a nossa capacidade de nos identificarmos com elas. Alguns detalhes perdem-se, mesmo para aqueles que dominem bem os acontecimentos mais marcantes da política mundial dos últimos 100 anos.

Allan Karlsson, em 2005, vai fazer 100 anos. No dia do seu aniversário escapa pela janela do lar para idosos onde se encontra – e vamos perceber como lá foi parar perto do final da BD. Logo nas primeiras páginas da sua fuga, vai roubar uma mala cheia de dinheiro a um “correio da droga”. Também rapidamente começamos a perceber que este simpático velhinho não é tão simpático quanto parece, e que o seu passado é repleto de acontecimentos, escolhas terríveis, e encontros com personagens de relevo na história mundial, desde Truman a Mao, passando por Estaline ou por Oppenheimer. Já para não falar de um certo Einstein…mas não o certo! Enfim, não é toda a gente que passa umas férias de 15 anos em Bali (interrompidas apenas por uma viagem a Paris, em maio de 1968, para variar, mas mantendo a calma).

Na página 21, temos uma boa demonstração do tipo de humor que cruza esta BD: “- Que belo passeio; - Sim, bem, não és tu que pedalas; - Lamento, mas já não tenho 90 anos”.

Em resumo, quando soube da edição desta BD, e obtive, pela primeira vez, uma referência ao romance que lhe serve de base, criei uma expectativa grande quanto a esta obra. Infelizmente, essa expectativa não se concretizou. Vislumbra-se o interesse do romance, mas a entrega por parte do duo Taillefer - Grégoire Bonne podia ser mais entusiasmante. Lê-se com mediano agrado, não dou o meu tempo como perdido, mas não é uma obra que fique gravada na nossa memória. É pena, havia muito potencial.




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