terça-feira, 28 de novembro de 2023

A opinião de Miguel Cruz sobre: "L’Ombre des Lumières - Tome 1", de Guérineau e Ayroles e "Maltempo", de Alfred

 



L’Ombre des Lumières - Tome 1

Série prevista em três tomos, L’Ombre des Lumières é a nova aposta do argumentista de “O Burlão das Índias”, Alain Ayroles. Desta vez acompanhado por Richard Guérineau no desenho, um autor com muitas BD publicadas, entre as quais uma série que foi célebre no século passado chamada “Le Chant des Stryges”, dono de um desenho realista muito pormenorizado, com um bom sentido de mise-en-scène e um excelente domínio dos contrates luz-sombra.

O Tomo 1 entitula-se “L’Ennemi du Genre Humain” – o inimigo do género humano, título que resume de forma simples o que temos “pela frente”. Através da descoberta da correspondência do cavaleiro de Saint-Sauveur, podemos ir conhecendo a personagem que viveu no século XVIII e que, desde muito cedo nesta BD não nos deixa qualquer dúvida: era um verdadeiro crápula.

A ligação ao romance e ao tema dos filmes Valmont e Ligações Perigosas é, pelo menos parcelarmente, evidente. Aqui vamos seguindo os comportamentos daquele nobre de baixa estirpe, que age muitas vezes sedutoramente mas desprovido de escrúpulos. 

A fortuna nem sempre lhe sorri, mas a capacidade de transformar situações desagradáveis em seu favor está presente. O véu sobre os objetivos deste aventureiro aparentemente amoral não é levantado neste tomo 1, embora pareça que fazer o mal constitui, em si, um objetivo, pelo que teremos de esperar a continuação da história, e os autores sabem bem criar o suspense.

O ambiente retratado, os diálogos, as roupas, os jardins, os veículos, tudo é apresentado de forma cuidada e atrativa. Diria, em certos momentos, um filme de Milos Forman.

A narrativa é apresentada em parcelas baseadas nas cartas encontradas, o que é excelente para o seu ritmo, sendo que por vezes, cria algumas dificuldades para perceber quem é quem ou quem disse o quê. É comum ter de voltar atrás para “consulta”, o que mostra que a estrutura da BD é cuidada, e a sua leitura exigente.

Gosto bastante do trabalho de cores que confere às páginas um calor e uma luminosidade notáveis. A edição foi também ela muito cuidada, com lombada em tela, duas versões, uma a cores e outra a preto e branco, capa bonita e papel de qualidade.

Em resumo, uma BD de época, interessante, épica, bem trabalhada, inteligente. O cavaleiro ainda tem, parece, bastante caminho a percorrer. Vamos lá ver como as coisas evoluem. Edições Delcourt.




Maltempo

Aldred esteve no ano passado na edição do AmadoraBD, tendo em atenção a edição em português da sua BD “Como Antes”, premiada em 2014 em Angoulême.

Alfred tem uma nova BD, acabadinha de sair, com o título de Maltempo. Estamos na continuidade dos períodos das suas obras anteriores: “Como Antes” e “Senso”, neste caso na Itália dos anos 80, acompanhando o dia a dia de um grupo de jovens que, no Sul de uma Itália pobre e sem grandes perspetivas, vive em função da música e da união de um grupo de amigos. Maltempo corresponde a um nome, mas não deixa de ser um comentário irónico à qualidade da música do grupo de amigos.

É verdade que a música é, naquele caso, mais um meio de conquista e afirmação social do que um esforço artístico, mas a divulgação (através de um casting local) de um concurso musical que levará o seu vencedor a Roma, cria uma expectativa e vem alterar o comportamento habitual de vários membros do grupo de jovens, em particular de Mimmo, jovem italiano de 15 anos.

A música como instrumento de ascensão social vai surgir como elemento narrativo importante, numa BD que nos apresenta um retrato social muito interessante da Itália dos anos 80, bem como uma galeria de personagens com maneiras de ser bem distintas, mas bem realistas e que não pode deixar de nos recordar algumas amizades de adolescente. A isto temos a acrescer a presença, face à situação política Italiana da altura (só?), de grupos de skinheads de tendência “nacionalista”.

O desenho é aquele a que Alfred já nos habituou. Ligeiro e realista, sensível, luminoso, por vezes contemplativo, com cores “de um verão agradável”. A narrativa é bem ritmada, não há elementos desnecessários, por vezes dura, por vezes humorista, mas sempre tocante.

Editado pela Delcourt, aqui fica a recomendação para mais um One Shot de Alfred, esta com quase duzentas páginas. Se gostou de “Como Antes”, o mais provável é que também goste de Maltempo.


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