Adieu Aaricia
Já, quer aqui, quer na revista, tinha falado sobre a série Thorgal e sobre os seus spin-Offs. Também já tinha declarado ser um fã de primeira hora da série original, que conta mais de 20 tomos de grande qualidade que permitiram construir um universo consistente e excecionalmente bem imaginado.
A editora Lombard acaba de fazer sair um primeiro tomo de uma nova série que foi designada por Thorgal Saga. Em bom português chama-se fazer render o peixe.
Esta nova série/saga não constitui uma ideia inovadora, pois o seu objetivo, à semelhança do que foi feito, por exemplo com Spirou, é o de convidar diferentes autores para apresentar um álbum, uma história possível, do Universo Thorgal. Cada autor assume, assim, a função de skald (uma espécie de bardo, poeta ou contador de histórias escandinavo).
Apesar do “olhar de través” que este tipo de exploração do sucesso nos deve merecer, não há dúvida de que esta BD, primeiro tomo da Thorgal Saga, merece a nossa atenção, na conjugação da qualidade do argumento, e da excelência do desenho.
Robin Recht assume a responsabilidade de autor completo para esta primeira narrativa, e fá-lo, na minha opinião, com sucesso. Em tempos desenhador de Conan le Cimmérien e do Terceiro Testamento, o desenho de Recht tem provas dadas de qualidade no domínio do fantástico e da Heroic Fantasy. O seu desenho é bom, mantém fidelidade aos cânones da série original, reproduz fielmente, mas com naturalidade, rostos e expressões, captura o essencial de emoção e intensidade que fizeram o sucesso da série. O conjunto é muito agradável.
Quanto ao argumento, a ideia é boa, bem executada, com q.b. de fantástico, e constitui uma entrada forte numa nova série que facilmente poderia constituir um falhanço. E, no entanto, a sua premissa base é das mais arriscadas: uma viagem no tempo. Um Thorgal idoso não consegue ultrapassar a morte da sua amada Aaricia. Aproveitando a situação, a pérfida serpente Nidhogg (que vive em Niflheim, o mundo inferior nórdico) propõe a Thorgal o anel de Ouroboros para voltar atrás no tempo, o que aquele irresponsavelmente aceita (apesar de já se ter encontrado com a serpente noutras aventuras e a experiência não ter sido a melhor…não aprende, o rapaz!), sem se aperceber (ou querer aperceber) das consequências da sua decisão. Não deixa de ser engraçado ver um Thorgal idoso a confrontar um Thorgal jovem com a sua impetuosidade…
As personagens que bem conhecemos, nomeadamente Thorgal, Aaricia, o seu pai e o seu irmão, são muito bem retratados. As personagens novas são introduzidas com critério. O conjunto da história é muito interessante para quem é um fã do universo Thorgal. E é isso, uma leitura agradável, um bom albúm, mas não posso deixar de referir a minha opinião de que já não há muito a acrescentar à saga de Thorgal.
Nympheas Noires
Uma adaptação com caráter literário, de uma obra literária de Michel Bussi. Após ter lido a adaptação em BD investiguei o autor adaptado, e confesso a minha vontade de ler a versão original. Esta boa indicação da qualidade da adaptação – o que, como sabemos, nem sempre é bem conseguido – fica já como ponto de partida deste comentário.
A base da história é a investigação de um estranho assassinato ocorrido em Giverny – sim, o bem conhecido refúgio de Claude Monet, hoje destino turístico dos amantes das obras impressionistas em geral e do trabalho de Monet em particular. O título Nymphéas Noires é traduzível para português como Nenúfares Negros.
Um possível quadro de Monet com Nenúfares de cor negra, realizado perto da data da sua morte, constitui, efetivamente, um indício na investigação em curso, conduzida, pelo menos parcialmente, por um inspetor que comete o erro de se apaixonar por uma professora que é suspeita de ter sido amante do assassinado. Como o seu principal suspeito era o marido da professora e o motivo ciúmes, compreenderão, com facilidade, porque razão teve de se afastar e a investigação ficou perturbada.
Há três personagens femininos que acompanhamos ao longo da BD, e que sabemos que serão centrais no desenrolar da história (mas não sabemos como). Uma primeira, idosa, que é má. Uma segunda, a referida professora, mentirosa. Uma terceira, uma miúda de 11 anos com jeito para a pintura, egoísta.
A primeira é, no essencial, a narradora da história, e por ela temos antecipado outros graves acontecimentos, incluindo uma outra morte. Qual o papel de cada uma destas três mulheres, e das suas relações pessoais, das invejas e ciúmes que geram, no caminho para o crime? Qual a relação deste assassinato com um outro de um miúdo, no mesmo local, cerca de 15 anos antes? Qual a relevância de um concurso de pintura relativo a Monet, que tem como prémio uma bolsa para estudar no estrangeiro, para o desenrolar desta história?
Toda a teia de relações entre personagens e acontecimentos acaba por ser revelada, de forma surpreendente mas credível, com um argumento que provoca o leitor, mas que o mantém no escuro durante a grande maioria da obra. O responsável pelo argumento é Fred Duval, autor de já muitas obras publicadas e de quem, recentemente, tivemos a série Nevada publicada em Portugal.
O desenho, de Cassegrain, é elegante, e a composição das páginas, mesmo as mais violentas, é feita como se tratasse de uma sequência de cartas postais, de cores ténues e agradáveis, de Giverny, com um traço que, por vezes me recorda Miguelanxo Prado. Editado pela Dupuis.