segunda-feira, 6 de março de 2023

A opinião de Miguel Cruz sobre: "Le Banquier du Reich - tome 1 e 2", de Boisserie, Guillaume e Ternon e "Madeleine, Résistante – Tome 1", de Riffaud, Morvan e Bertail




Le Banquier du Reich - tome 1 e 2

Só muito recentemente tive a oportunidade de ler os dois tomos que compõem este relato histórico das posições e atos do homem que ainda antes da subida de Hitler ao poder, e durante o governo daquele, foi um todo-poderoso no domínio financeiro alemão, desde comissões de apoio ao governo, Banco Central Alemão e Ministério das Finanças. 

Os dois tomos foram ambos publicados em 2020, com 6 meses de diferença entre si, com argumento de Pierre Boisserie e de Philippe Guillaume, e desenho de Cyrille Ternon. Nenhum dos autores, que me recorde, tem publicações traduzidas para português. Boisserie é um autor habitual de BD’s de conteúdo histórico, e sempre com significativos trabalhos de investigação subjacentes; Guillaume foi já responsável por várias BD sobre o mundo das finanças, onde explora detalhes e curiosidades com perfeito domínio histórico da matéria.

Hjalmar Schacht é um técnico muito competente, um homem com uma visão excecional no domínio financeiro, mas homem de poucos amigos, brutal e desagradável. A sua história, nomeadamente a sua atuação e ligação a Hitler, deixa uma marca no seu percurso que mesmo o facto de ter caído mais tarde em desgraça e ter, alegadamente, participado em conspirações contra Adolf Hitler, não vem atenuar.

Julgado em Nuremberga pelos aliados, e apesar de se ter “saído bem”, Hjalmar Schacht teve ainda, ao longo dos anos, uma relação dúbia com os judeus.

É precisamente a exploração do comportamento dúbio desta personagem, em torno da questão de se se tratou de um génio das finanças preocupado e focado nas condições do seu país ou de um frio e desagradável oportunista, que estes dois tomos são construídos. 

Um argumento bem elaborado, diálogos muito interessantes, uma caracterização da personagem com base nos factos conhecidos, sem à prior de valores, deixando as conclusões para o\a leitor\a. 

Um desenho realista, sóbrio e elegante, muitos grandes planos com detalhe – a cidade, o refúgio nos arredores da cidade, o avião, o gabinete, todos os locais têm a sua importância na narrativa e são por isso bem pormenorizados.

Uma BD de excelente qualidade, com uma abordagem clássica, para os que gostam de história, e que tenham uma curiosidade sobre uma personagem que teve nas mãos a condução das finanças do Reich, e que, na prática, acabou por passar despercebido nas margens da história. Uma edição de qualidade da Glénat.





Madeleine, Résistante – Tome 1

Já por várias vezes estive à beira de aqui mencionar esta BD, mas por diversos motivos, nomeadamente por ser um primeiro tomo com continuação, acabei por não o fazer. O facto de ter servido de âncora para uma exposição em Angoulême, por ocasião do 50º Festival Internacional de BD, levou-me a reponderar a abordagem.

O título é informativo: trata-se de um relato autobiográfico de Madeleine Riffaud, nascida em 1924 e membro da resistência ao invasor Nazi a partir de 1942. 

O argumento desta BD é da responsabilidade da referida Madeleine Riffaud, em colaboração com Jean David Morvan – o autor de Sillage ou, se quisermos, de “Senda” já publicado em Portugal, já para não falar de alguns Spirou como “Paris Submerso” ou “Nas Origens do Z”.

Já Dominique Bertail, colaborador habitual da revista Fluide Glacial, assumiu a responsabilidade do desenho, um desenho realizado a traço azul sobre fundo branco e sem coloração adicional. Um desenho detalhado, de grande sensibilidade, realista, bonito e agradável, boa expressividade, com fácil identificação das muitas faces com que nos vamos cruzando, elegante representação dos espaços, e um tratamento cinematográfico de perspetivas e sequências.

Madeleine, filha de dois professores instalados na província, vive feliz, com uma relação muito próxima com o seu avô, e são precisamente os acontecimentos associados à fase final da vida do seu avô após a ocupação que marcam a determinação de Madeleine, e a sua posição face ao invasor e ainda a relação com os seus pais. Tendo contraído tuberculose, Madeleine é internada numa clínica isolada na montanha. A sua deslocação para a clínica revela-se particularmente traumática, e aquela acaba por se revelar como o verdadeiro ponto de acesso da jovem de 17 anos à resistência francesa.

Um relato na primeira pessoa, muito detalhado, organizado numa espécie de capítulos, que nos mostra uma jovem particularmente determinada, e também aspetos e comportamentos humanos reveladores do melhor e também do pior que podemos imaginar. Esta BD não poupa, fica desde já o aviso, os espíritos mais sensíveis.

Além da publicação deste muito bem conseguido primeiro tomo, a história de Madeleine Riffaud tem vindo a ser publicada através de pequenos fascículos intitulados “Cahiers Madeleine”, na expetativa da publicação em breve do tomo 2, antes do 100º aniversário da autora! Editado pela Dupuis.




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