Terminado o primeiro par de aventuras de Wild West, ou mais exatamente de (Wild) Bill Hickock, e de Martha (Jane) Canary, o terceiro tomo desta interessante série começa com uma nova personagem – Charlie Utter – a encontrar, no meio da neve, uma debilitada Calamity Jane que abandonou o seu acampamento índio.
Calamity Jane afoga-se no álcool, culpa Hickock pela morte do seu esposo índio, e por várias vezes é salva por Charlie Utter. Wild Bill é responsável pela segurança do estaleiro de obras do caminho de ferro, e é confrontado com uma série de mortes macabras, preparadas para colocar a culpa nos índios. Procurando pistas do assassino, Hicock acaba por se fazer acompanhar de Calamity Jane, apesar da tensão entre ambos.
Charlie Utter parece ser prestável e dedicado a Calamity Jane. No entanto, não percebemos, neste tomo, o que o move e o que verdadeiramente pretende, nem as razões das suas ausências frequentes.
Pelo meio temos um “jornalista”/escritor de aventuras do leste que parece ter alguma informação interessante sobre o personagem que cria a encenação macabra das mortes, e que é responsável pela criação do/da nome/alcunha Calamity Jane.
O argumento é, assim, bem construído, com uma boa caracterização das personagens, do ambiente neste período de “conquista do oeste” e da relação com os índios. Muito interessante, não temos um momento aborrecido, várias histórias paralelas, incluindo a colocação do “cavalo de ferro” em território índio e as consequências daí decorrentes, vão sendo desenvolvidas com credibilidade. Até o futuro Marshal Bass aparece neste tomo, como o principal ajudante de Bill Hickock.
O desenho (e cores) do simpático Jacques Lamontagne, que já conhecemos dos dois primeiros tomos, publicados em Portugal pela Ala dos Livros, parece-me estar cada vez melhor. Rostos muito expressivos, variações entre interiores normalmente decadentes e miseráveis com exteriores amplos, ameaçadores, boas perspetivas, enfim, um desenho realista muito detalhado e adequado aos ambientes escuros, lamacentos e violentos retratados.
Ficamos a aguardar com expectativa positiva o tomo 4 destas aventuras publicadas pela Dupuis, e que terá como título “La Boue et Le Sang”, ou seja, “A Lama e o Sangue”, dois elementos que têm estado sempre presentes nesta saga.
HypericonEstamos em finais da década de 90, numa Berlim ainda em adaptação após a queda do muro, com muita transformação no rosto da cidade, muitas obras e muitas experimentação e transformação social.
Teresa, uma aluna brilhante de história, de origem italiana, “aterra” em Berlim, para estudar e para ajudar a preparar uma exposição relativa a Toutankhamon. Brilhante, desembaraçada, assertiva, mas sofredora de insónias crónicas, a jovem começa o seu percurso organizado por Berlin, com um objetivo claro, mas acaba por se desviar do “caminho” previsto ao encontrar um atraente jovem punk.
Ao longo desta poética BD não apenas acompanhamos o percurso de Teresa, como a história de amor nascida do acaso, com diversas perturbações tratadas com enorme delicadeza e com uma abordagem estética de enorme sensibilidade, e com uma imagem de fragilidade extrema, como ainda a história que decorre da leitura pela jovem do seu livro preferido, escrito por Howard Carter e relativo à descoberta do túmulo de Toutankhamon.
O tratamento estético das histórias “contemporânea” e do passado é brilhantemente contrastante, e absorvemos a história dentro da história com naturalidade. Qual a ligação entre as duas narrativas? Pouca, aparentemente ou explicitamente, mas significativa nos sentimentos que cria, relativos à importância da passagem do tempo, à forma mais ou menos organizada de encarar a vida, e de aproveitar ou desperdiçar a mesma, na fragilidade e sensibilidade das relações pessoais e, particularmente, na abordagem à insónia, às enxaquecas e às ansiedades.
Curiosamente, o livro de Howard Carter constitui também o único soporífero efetivo na vida de Teresa. Hypericon, por sua vez, é uma erva que foi oferecida ao jovem faraó, e que acaba por ter um impacto grande na vida de Teresa, nos seus ataques de ansiedade e na sua capacidade de ter um sono descansado/repousante, como veremos na parte final do livro, passados alguns anos, já no século XXI (será spoiler?).
Manuele Fior, o autor desta BD, é também ele italiano, viveu um período da sua vida em Berlim, e consegue um bom trabalho de representação de ambientes, e de condução de uma interessante narrativa que nos apresenta, de forma credível, tranches de vida.
Anteriormente editado em português pela Devir, Manuele Fior esteve em Portugal aquando do lançamento do seu livro “Cinco mil Quilómetros por segundo”, e recordo-me dos seus autógrafos bonitos e expressivos feitos em aguarela. Editado pela Dargaud.
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